Ao tentar entender o recente hackeamento e, na sequência, o vazamento das conversas entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, parto do sentimento de estranheza e forte perplexidade. Creio que muitos acham a mesma coisa. Como psicanalista, não posso ser um detetive criminal, mesmo assim, perguntei-me: “Quem fez isso e por quê? Quem ganha com isso?
Despejou-se um monte de discursos com tecnicalidades jurídicas. Me ocorreu que, em muitas investigações criminais, existe o ditado em francês “Cherchez la femme” (procure a mulher) — famosa frase de Alexandre Dumas, aplicada a histórias de detetives. Em nosso caso, sugiro que “la femme” seja procurada no perverso e no dinheiro. Ele vai estar lá no fim da fila, com seu cabelo engomado de brilhantina, bem à moda dos mafiosos do século passado. Ele vai estar lá como um pavão, se achando o dono do pedaço, como um donatário das capitanias hereditárias (essa praga que se mantém no Brasil), ditando e legislando regras e leis próprias. Ele vai estar lá, com seus conceitos de vingança, e não de justiça. Vai estar ganhando muito dinheiro.
O fato: conversas privadas entre representantes idealizados da Justiça Brasileira — que sabidamente combatem a corrupção que destrói nosso País — são violadas como se fossem um segredo, e quem está de posse dessas conversas parece que pretende transformá-las num segredo de conluio. Os que foram violados dizem que se trata de conversas próprias ao meio. E são. Seria hipocrisia máxima dizer que elas não existem. Acho que somente a OAB acha que não existem, e acreditam também em Papai Noel.
Um hacker é um indivíduo perverso a serviço de outros perversos. Trata-se de um voyeur sadomasoquista a serviço de um refinado malfeitor exibicionista e fanfarão. Como em toda perversão, tenta-se inverter a lógica para fins escusos particulares. Como se trata de uma lógica totalmente baseada em premissas falsas, é isso que nos traz a sensação de perplexidade e confusão. Pretender, por exemplo, usar atos ilegais e perversos de voyeurismo — inverter a lógica — para anular julgamentos de pessoas (condenadas por sua culpa nas três instâncias da Justiça), como querem os advogados muito bem pagos, é hipocritamente seguir a lógica do ladrão ou do assassino que, pego em flagrante pelas câmeras, reclama que sua prisão é ilegal, pois não deu autorização para divulgação da imagem.
Uma coisa são conversas em nome da luta contra a corrupção; outra coisa são as conversas para ocultá-la e manter a destruição. Não se trata de que os fins justificam os meios, e que muitos querem condenar e ditar a ética. Trata-se de que as coisas vão mais além, e aí existe, no meu entender, uma questão mais complexa por detrás de todo esse óbvio psicológico. Nosso País vem sendo desgraçadamente assolado por líderes que pretendem possuir uma ideia messiânica de salvação. São líderes messiânicos. Foi assim com o implacável Getúlio Vargas, ocorreu com o risonho Juscelino Kubitschek, com o vaidoso FHC, devastadoramente acontece com o sindicalista Lula, em muitos momentos está no discurso do eterno candidato à Presidência Bolsonaro, e me indago se não foi com esse tipo de ideia que a mídia investiu em Sérgio Moro. E ele acreditou.
A “cruzada” contra a corrupção dificilmente poderia escapar de eleger um líder messiânico. E, na medida em que esse líder parece falhar, de algum modo, a história mostra que existem dois caminhos a partir da falha: uma parte quer crucificá-lo e outra parte quer divinizá-lo. A história de Jesus está aí para demonstrar esses fatos profundamente arraigados na cultura ocidental.
Tem jornalistas e esquerdistas babando de ódio, querendo crucificar Moro, e uma outra parte continua querendo divinizá-lo. Assim como encontro todo dia pessoas babando de ódio contra Lula e pessoas querendo santificá-lo como vítima de uma barbárie política. Sergio Moro não é Jesus tampouco santo; aliás, muito longe de qualquer santidade. Mas é, comprovadamente, uma pessoa de bem numa posição muito delicada. Certamente, não vai fugir de suas responsabilidades em esclarecer os fatos.
Foto de Sérgio Moro: Agência Brasil