Pense num personagem da TV para amar e odiar na mesma proporção. Se isso lhe aconteceu, é porque o artista é tão bom que a convenceu. Unanimidade de público nesse quesito é Rosa ou Letícia Colin, sucesso absoluto em “Segundo Sol”. “Aquele par de olhos realça a tela da TV”, diz um baiano, referindo-se à atriz, cujo papel cresceu e apareceu, e agora entrou para aquela categoria “não consigo imaginar outra atriz ali”. Perguntado ao autor, João Emanuel Carneiro, sua opinião sobre o que vê, criado por ele mesmo, todos os dias na sua TV, responde: “A Leticia foi um grande presente que eu ganhei nessa novela. A Rosa é um personagem complexo e ela soube trabalhar todas as nuances dela.”
Letícia, de 29 anos, já pode ser considerada veterana. Começou a carreira aos 10 anos, no seriado “Sandy & Junior”; depois veio “Malhação” e a apresentação do extinto “TV Globinho”; ainda passou pela Band e Record, até voltar à Rede Globo, em 2013, na novela “Além do Horizonte”. Antes de Rosa, outro papel conquistou todo mundo: a imperatriz Leopoldina, em “Novo Mundo” (2017). Agora, ganhando o amor da “baianidade nagô”, por mostrar um sotaque fiel e natural – para entrar de cabeça, ela ficou um tempo na casa de uma amiga, vivendo a rotina da família. Leia a entrevista daquela que jamais passa despercebida, seja pelo talento físico, seja pelo outro que a gente nem sempre consegue explicar.
Qual o tamanho do sucesso de Rosa na sua vida?
É uma surpresa pra mim! Por mais que se tenha uma trajetória longa, não se imagina o quanto se pode render. Optei por fazer uma composição difícil, mirei num alvo que, de certa forma, me dá muito trabalho para construir e é complexo.
Irmã gay, profissão puta, pai abusivo/machista/sexista, mãe submissa. O que isso tem te ensinado?
Estou aprendendo a ser, a me descobrir. Estou nessa fase mais adulta, me formando como mulher, e o encontro com a Rosa, tem me formado também. Sei que vou sair uma mulher mais forte e melhor, por ter acolhido essa personagem na minha vida. Esse momento é irreversível. Cada vez mais, personagens com protagonismo feminino, de mulheres incríveis de que possamos nos orgulhar.
Tem recebido mensagens sobre a profissão garota de programa? Acredita que existe um limiar ao passar uma certa glamourização da profissão, já que Rosa é adorada?
Diretamente não, mas as pessoas falam ‘ah, conheço alguém!’. Não sei se as pessoas não assumem por ser ainda um tabu e acabam dando esse relato. Contam histórias em terceira pessoa, mas acho que a discussão está rolando, o que me deixa feliz. É sempre sensacional fazer personagens que inspiram coragem e liberdade. Se Rosa puder fazer isso independentemente do que escolheu para vida dela… Acho que já foi o tempo em que se batia no intérprete de um vilão com guarda-chuva porque se achava que ele era real. A Rosa inspira justiça social, quer ser feliz, ganhar o dinheiro dela… E está sofrendo também – não é um mar de rosas sua vida. As pessoas têm sabedoria para ver e fazer suas próprias escolhas.
Sério, todo mundo elogiando seu sotaque baiano, inclusive os baianos. Como faz pra estar tão afiada desse jeito? Você troca com atores baianos, tem algum meio de pesquisa que a gente desconhece, foi sequestrada por baianos?
O personagem é tudo, né? Voz, corpo, jeito de ver o mundo. A gente tem que pensar nisso tudo na hora de criá-lo; então a voz e o sotaque vêm juntos. Pra mim, é tudo um processo só. Eu tento viver olhando o mundo através de como essas figuras olhariam também. Eu convido pra vir à tona o que há de mim que tem a ver ou que precisa vir para que as personagens tomem vida! Eu fui pra Bahia pesquisar, fiquei na casa da família de uma amiga, não só para ficar ouvindo o sotaque e pegar as dicas, mas também para pegar o espírito da família, que é uma coisa muito diferente, o jeito de ser, de receber, de cozinhar junto, comer junto, todo mundo ajudar… E eu tenho duas amigas atrizes, a Mariana Serrão e a Fernanda Beling, que são minhas coachs. Temos um grupo no WhatsApp, e elas gravam pra mim áudios com as frases da novela; eu fico ouvindo, repetindo. E elas vão me passando termos também que acham legal, que têm a ver com o espírito da Rosa. E isso tudo foi dando esse caldo de como a Rosa fala.
Como engrandecer tanto uma personagem coadjuvante ao ponto de transformá-la de coadjuvante em principal?
Eu fui aprofundando minha relação com a arte, que tem a ver também com aprofundar a relação de quem eu sou, de aceitar a minha essência, de me abrir pra arte cada vez mais; isso é um trabalho de uma vida inteira. Acho que minha entrega pro que eu faço foi aumentando com o passar do tempo e, cada vez mais, com isso, a gente pode alçar voos maiores, a maturidade te traz mais ferramentas, mais sabedoria pra poder trabalhar melhor, viver melhor e, com certeza, isso tudo fez os personagens nascerem dentro de mim de um jeito mais complexo e profundo. O caminho da minha arte é o caminho também do meu amadurecimento, de entendimento como mulher, como ser humano.
Com tanta dedicação como fica o casamento, ainda mais no começo, como é o seu e do Michel?
Nossa união é linda. Michel é o parceiro que eu pedi para a vida, sou abençoada.
João Emanuel disse, em entrevista ao site, que, neste período, sente falta de ler mais, de assistir a mais filmes, de beber de outras histórias. E você?
Agora, neste momento da novela, só penso na Rosa, não consigo saber de outra coisa. Mas sei que, em algum momento vai ser bom poder dar uma pausa, estudar coisas que eu quero sem ser através de um personagem, mas também é muito bom quando os personagens vêm trazer coisas pra gente.
O que é mais interessante, as vidas da ficção ou a sua? Por quê?
Eu fico muito feliz de poder contar grandes histórias, a vida toda eu quis isso, por isso também que está rolando porque a gente vai atraindo… Tenho podido realizar meus sonhos artísticos, de fazer grandes mulheres, contar grandes histórias. Eu acho que é sempre desafiador e maravilhoso, eu amo fazer isso, essa viagem que você faz em busca de tentar ter um olhar da vida num ponto de vista que não é o seu, somos estimulados através de um personagem a pensar diferente a avaliar situações de uma maneira diferente. Sair um pouco só do meu ponto de vista, do meu jeito de me relacionar com a vida e com o mundo e exercitar esses pontos de vista que são tão diferentes. Vivo pra fazer isso. Pra mim é uma grande onda e fico muito feliz de ter essa oportunidade, de tá sendo levada pra universos tão diferentes do meu, é engrandecedor quando você tem uma experiência honesta e profunda com uma outra realidade e pensamento, com a diferença e a singularidade do outro. Quando a gente é ator, vivemos essa experiência de um jeito muito mais intenso porque viramos o personagem, então podemos ajudá-lo a viver, a decidir, a passar pelas coisas, a ser feliz… Estamos ali com ele vivendo tudo juntos, e ai quando fazemos isso e as pessoas assistem é uma maneira de elas repensarem a própria vida, a própria realidade, suas próprias escolhas. Nosso papel é evocar essas histórias, esses dilemas, essas diferenças e realidades, para que as pessoas possam refletir, se emocionar, se transformar junto com as nossas histórias. É muito legal quando conseguimos tocar o coração das pessoas, é muito emocionante quando você faz alguém repensar ou se reconhecer e se sentir acolhido por causa de uma cena que fez.