Você já deve ter visto por aí uma Bandeira do Brasil com um buraco no meio, onde deveria estar “Ordem e Progresso”, sendo carioca, talvez tenha visto ao vivo desde o carnaval de 2018, com os foliões em toda a sua plenitude: “Já com um clima de carnaval, muito turista, e eu pego a bandeira e faço um passeio pela rua, como se fosse uma performance carnavalesca, como se aquilo fosse a minha fantasia, como se fosse um adereço de mão. E eu gosto daquela experiência e decido fazer uma provocação, uma instalação, uma intervenção de arte pública, colocar um objeto de arte na cidade na sexta-feira pré-carnaval, e eu decido fixar a bandeira nos Arcos da Lapa”, diz o artista plástico Raul Mourão, o criador.
Foi assim que a bandeira começou seu percurso. Desde que foi criada, nunca esteve a meio mastro, que fique claro, mas, no último Sete de Setembro, deu-se uma explosão, com a “New Brazilian Flag”. Segundo ele, “uma sutil intervenção física num objeto de tecido para comentar o atual momento político social.”
Mas esse é apenas um item (representativo, claro) na carreira de Mourão, conhecido por trabalhar com aço córten, desde o fim dos anos 1990, além de produzir vídeos, pinturas, fotografias e esculturas cinéticas — ou balanços interativos, aqueles geométricos que parecem flutuar -, resultado de sua pesquisa de quase uma década sobre grades e sistemas de segurança.
Enquanto a ArtRio segue na Marina da Glória, Mourão vai apresentar um trabalho inédito em papel, no coletivo Rato BranKo, na Lapa, com composições geométricas, feitas a óleo e grafite sobre papel manteiga, neste domingo (12/09), das 16h até as 22h (Rua Joaquim Silva, nº 71).
Você criou a série das bandeiras do Brasil na era Temer, mas ela viralizou esta semana, no dia 7 de setembro, na era Bolsonaro. O que você acha que isso quer dizer?
A série das bandeiras foi criada no carnaval de 2018. Naquele momento, apontava para uma reflexão sobre uma crise, um momento difícil, um momento complicado do País. Esse vazio apontava para aquele momento crítico. De lá pra cá, a gente se aprofundou em outras crises; na verdade, surgiu um momento de trevas, de governar pela mentira, de destruição das instituições. E acho que o trabalho foi ganhando novos significados, novos públicos, novas leituras. Ele já era sobre um momento complicado e, à medida que o País foi afundando em novas crises, a bandeira foi ganhando novos sentidos.
Essa interferência na nossa bandeira veio de uma ideia surgida em Nova York…
Esse trabalho nasceu num episódio da vida real. Eu estava saindo de uma feira de arte em Nova York, da Armory, mais ou menos em março de 2018, um dia frio, que ventava muito. E na saída, enquanto esperava ali o táxi, na fila, tinha uma bandeira americana que tinha se enrolado no próprio mastro, no momento exato de esconder o retângulo onde estão as estrelas. Então, aquela bandeira estava cortada, estava apenas com suas faixas vermelhas e brancas. Era um momento já de Donald Trump, e eu fiz um registro dessa bandeira modificada acidentalmente, e guardei esse vídeo. Depois, editando no computador, achei que aquilo era um vídeo que podia virar um trabalho.
E como virou?
Passou um tempo. Com esse trabalho na cabeça, andando aqui pela Lapa, ocorreu-me fazer uma versão brasileira dessa bandeira modificada, dessa bandeira alterada, dessa bandeira sem as estrelas, sem os estados, sem a república, sem a federação, violentada, como um cartoon. Então comprei uma bandeira, recortei não só as estrelas mas também o azul e a frase “Ordem e Progresso”. Na sua curva branca com letras verdes, eu arrombei a bandeira, fiz um furo no meio e pendurei aqui, na parede do ateliê.
Em novembro, no feriadão de Proclamação da República, foi erguida no Circo Voador, também na Lapa…
Sim. A bandeira de 2,30 por 3 metros foi estendida entre as famosas palmeiras do Circo, como um objeto-cartoon que tinha a ver com o momento político social do País – um rombo no meio da bandeira de um país pouco republicano, uma ação artística que subtrai a frase-lema, o azul e as estrelas que representam os estados.
A bandeira ficou famosa, cresceu e virou séries, uma delas “homenageando os Bolsonaro”?
Uma série que passou a ser um objeto que apoia as atividades do Rato BranKo, que é essa dupla que eu tenho com o Cabelo (artista plástico), uma bandeira num formato menor, com tiragem de 666 exemplares, em homenagem à família Bolsonaro, esse número diabólico. Essa se chama The New Brazilian Flag #2, e a renda foi revertida para as atividades do Rato BranKo. Então, com a venda desse trabalho, foi que a gente organizou algumas exposições.
Essa série tem um significado mais amplo pra você?
Tem o vazio. Ao furar a bandeira, estou comentando um vazio, uma crise política, um vazio institucional, uma incerteza, um momento de violência e de agressão. Contudo, esse vazio também pode ser território pra lançar novos projetos, novos desejos, novos sonhos; é um vazio, é um branco, é uma área a ser preenchida.
The New Brazilian Flag — por que em inglês?
O título é irônico, por ter a ver com a origem do trabalho.
E a bandeira segue rodando o mundo?
Passou também pelo Circo Voador, em 15 de novembro, dia da Proclamação da República. Fui convidado pela Maria Juçá, pela Cristina Dória, pela Alice Pellegatti, que estavam organizando uma noite de bandas novas, e a bandeira esteve lá também pendurada entre as palmeiras do Circo Voador. E também no Projeto Travessias, na plataforma online do Travessias. O Rato BranKo está participando. Então, as pessoas vão poder interagir, meter a sua cara no meio desse buraco. É mais uma circulação digital em larga escala que eu acho importante. A presença da bandeira na live do Caetano deu uma escala nacional e até internacional. Espectadores de cultura, amantes da obra do Caetano, gente interessada em música brasileira que assistiu àquela live, ficou vendo o tempo inteiro. Depois, alguns veículos explicaram de quem era, o que era aquela bandeira, essa circulação que eu sempre desejei pra esse objeto.