João Grangeiro Neto, 64 anos, é um nome importante na classe médica carioca. É mestre em ortopedia e traumatologia pela UFRJ; diretor-geral do INTO, Ministério da Saúde (2019-2020), diretor-médico dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016. Em abril do ano passado, ainda no começo da pandemia, de uma hora pra outra, sentiu-se mal, enquanto atendia no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Nesse vaivém, não dá pra fazer autodefesa durante a proximidade com os pacientes, do contato em si. Fez o PCR e, sim, estava infectado pela Covid-19. Os sintomas se ampliaram rapidamente, e ele foi internado no Samaritano; foram 38 dias no hospital, dos quais 18 no CTI.
Como foi a descoberta, a contaminação?
Ela se deu no hospital, no INTO, onde eu estava trabalhando. Pelo crescimento da covid, meu consultório estava fechado. Diante da intensidade dos sintomas, fui internado.
Qual a sensação de, ainda internado, saber que iria para CTI?
A sensação que eu tive foi de confiança. Estava sob os cuidados de Maurício Vaisman, excelente médico, cardiologista e intensivista. Ele decidiu que eu necessitava de um acompanhamento intensivo, já que, quando me internei, a piora foi muito rápida. Feliz ninguém fica, mas eu confiava no médico. E todo aquele aparato… Vi algo como uma coisa a meu favor. E assim passei 18 dias sedado.
Sendo médico também e, desta vez, estando do outro lado, facilita as coisas?
Costumo dizer que, para os médicos, numa situação como essa, não tem o benefício da ignorância. Pelo conhecimento, a gente sabe dimensionar as complicações que podem acontecer. Tem que se apegar à competência da equipe. Vendo o trabalho exaustivo daquelas pessoas se entregando, eu pensava: aqui eu tenho que corresponder.
É comum alguém do seu perfil e idade não ficar com sequelas?
Eu fiquei sem sequela nenhuma – geralmente depende muito do comprometimento que a pessoa tem nos órgãos. Fiz esporte por anos, nunca fumei e não tinha doença preexistente, o que ajuda bastante.
E o medo?
Tinha medo de ser entubado porque, àquela ocasião, muita gente acabava piorando. Achava que podia ficar inconsciente e sair do jogo.
A fé, nessa hora, é maior do que a ciência ou tem importância igual?
Acho que fé e ciência caminham juntas. Tenho certeza disso porque o ser humano é corpo e espírito — não pode ser de outra maneira. Nesses 18 dias no CTI, em momento algum, eu achei que não fosse sair; estava sedado também, para manter a serenidade. Sou católico. Fui internado dia 23 de abril de 2020, dia de São Jorge, e saí dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima. Tenho Fé. Falam que é coincidência, eu chamo de fé.
Passar pelo CTI e sair dele. Isso mudou algo em sua perspectiva?
Sempre muda. Essas coisas mostram a nossa fragilidade, mais ainda, diante de uma doença trágica e traiçoeira, que já levou a vida de amigos, pessoas queridas e desestruturou alguns milhares de famílias. Dinheiro é importante, prestígio é bom, mas o mais importante na vida é a saúde física e mental. A gente fica preparado pra enfrentar os desafios. Sobretudo, fica algum aprendizado, a situação que estamos vivendo. Temos de ter solidariedade e compaixão. Nem o sistema de saúde nem os governantes estão preparados para essa calamidade.
O que o senhor diz a alguém com pessoas queridas nessa situação?
Lamento profundamente quem não pode ser tratado como eu fui. Tive o privilégio de estar em um hospital de excelente nível técnico e humano, mas, em qualquer circunstância, não podemos perder a esperança.