Existe uma brasileira que merece, por razões óbvias, furar a fila da vacina da covid, em dada situação, com todos os tapetes vermelhos possíveis, no entanto, ela não faria isso: Isis Brazil, de 98 anos, filha de Vital Brazil, um dos mais importantes cientistas dos séculos XIX e XX e um dos fundadores do Instituto do Butantan, em São Paulo, e do Instituto Vital Brazil, em Niterói. O Butantan, que, de uma hora para outra, virou sinônimo de esperança e de sonhos, tantos sonhos pra todo mundo.
Ísis nasceu em 1922, quando Vital tinha 57 anos. Inteligente e estudiosa, chegou a trabalhar para o pai em algumas ocasiões, mas interrompeu os estudos para se casar e passou 25 anos dedicada à família. Quando a vida dos filhos estava resolvida, digamos assim, ela voltou para a faculdade e se formou em Psicologia pela PUC-RJ, aos 50 anos. Atuou na profissão até os 90.
Com a idade que for, sempre teve raciocínio rápido e lucidez tinindo, a ponto de esclarecer de cara antes da entrevista: “Só estou te atendendo por um pedido do meu neto”, enquanto fala do amor pelo pai, incansável médico, que tem, entre as primeiras conquistas, a descoberta do soro antiofídico. Ela assim define o Vital Brazil, que teve 18 filhos: “Homem íntegro, amante da verdade, dotado de excepcional inteligência, autodeterminação e força de vontade, desprovido de vaidade e desapegado de bens materiais, teve um sentimento maior: o desejo de servir ao seu semelhante, ao seu país e à humanidade”. Não pode ser indiferente a ninguém saber que o instituto fundado por seu pai fabrica uma vacina (a CoronaVac) que pode trazer a salvação para tanta gente.
Ísis, que mora no Leblon, é muito amada pelos três filhos (eram quatro), 12 netos e 21 bisnetos.
A senhora tem esperança na vacina da covid, vinda do Instituto Butantan, fundado pelo seu próprio pai?
Se eu não tivesse esperança na vacina, seria não acreditar na ciência; a vacina é o que nos resta. Eu nem sei se posso ou não tomar pela minha idade — tenho 98 anos; meu médico é quem vai dizer.
Como a senhora se lembra do seu pai? Quais as histórias mais marcantes e quando se deu conta da importância dele?
Se eu for falar sobre meu pai, duraria a vida toda. Tenho muito orgulho dele: um homem que trabalhou a vida inteira pela ciência. Estão aí o Instituto Butantan e o Vital Brazil.
O que a senhora pensa da posição do Governo Bolsonaro com relação à vacina?
Esse governo que está aí é péssimo, muito rude, com ou sem vacina.
No texto sobre a história da sua família, em que a senhora escreveu, seu pai chega ao RJ em 1886, com firme propósito de estudar Medicina. Quando começou a procurar onde estudar, com a carta do pai (João Manoel), que apresentava o filho como “moço pobre que queria estudar”, teve uma reação agressiva de um político, dizendo que “moço pobre não estuda, vai empregar-se no comércio; isso de estudar Medicina é para quem pode”. Acredita que, no Brasil atual, isso mudou?
Como você sabe disso? O que posso dizer é que é tudo verdadeiro.
O que a Isis Brazil mais quer?
Estou cansada, não quero saber de mais nada, só estar com meus filhos e netos perto de mim. Quero paz. O resto, a ciência pode resolver.