A experiência de psicanálise me mostra que, além do segredo profissional, há dois tipos de segredos vistos na relação entre indivíduos ou em grupos: o segredo do isolamento e o segredo do conluio. O segredo do isolamento é acompanhado de muita solidão, o que torna a investigação analítica sempre bem-vinda. Há uma sensação de alívio em poder contar coisas que estavam
presas na garganta por muitos anos.
O segredo do conluio é construído quase sempre de forma sadomasoquista. Há uma aliança com fins lucrativos contra outros, portanto, muito resistente a uma investigação. Na vida adulta, temos muitos exemplos de associações de pessoas que se envolvem em atividades de destruição e/ou crime, aparentemente sem culpa alguma, respaldados por “cargos”, “ideologias” ou “religiões”.
A culpa é um sentimento que espera por punição. Trata-se de uma relação unívoca; o medo da punição, porém, tende a ser camuflado e diminuído com mentiras e conluios. Quanto mais forte o conluio, menor é o medo da punição, e maiores são as mentiras. operação Lava-Jato, por exemplo, revelou e denunciou centenas de mentiras, conluios e segredos. Ela mexe com questões psicológicas profundas, nem sempre ao alcance dos próprios representantes do Ministério Público e juízes.
Como exemplo disso, cito que os jornais estamparam nessa semana, para nossa perplexidade, um segredo que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot revelou: ele tinha uma arma para matar o ministro Gilmar Mendes do STF e, depois, se mataria. Homicídio e suicídio, cena que no mito de Édipo é representado pela figura da Esfinge, que diz: “Decifra-me ou te devoro”. Decifrada, ela se mata, mas, se não é decifrada, ela mata o interrogado. Penso que, nessa relação entre o ex-procurador e o mal-falado ministro, existe o símbolo Esfinge, cada um é — em momentos alternados — a própria Esfinge e Édipo diante dela.
Não esqueçamos que a Esfinge era uma praga que caiu sobre a cidade de Tebas. A diferenciação de usos do segredo é importante para alertar sobre a dificuldade da investigação de crimes, pois existem aquelas investigações que se movimentam devagar por causa da crueldade e do autoritarismo implícito nos investigados, sobretudo, naqueles com personalidades sociopáticas. Todavia, existem outras que se movimentam rapidamente para a reparação real dos danos.
No geral, podemos dizer que a mobilidade da investigação depende da organização estrutural da personalidade do indivíduo. Se pensarmos num texto como a “Divina Comédia”, veremos como Dante mostra as pessoas no Inferno correndo ao encontro de sua punição, e mostra que a gravidade crescente do pecado torna mais longo o caminho para chegar ao local da punição.
No indivíduo que tende a uma perversão e/ou a problemas de caráter, o processo vai seguir lentamente. Ele pode contratar advogados que vão lhe oferecer opções de protelamento com manipulação de tecnicalidades jurídicas. Vão manter “segredos” em nome de “direitos”; ou seja, dependendo do caso, transformam a Justiça em um conluio antissocial — como é o caso do grupo de advogados que “defendem” o sigilo da identidade do pagante da defesa do homicida Adélio Bispo. Eles dizem seguir a lógica jurídica respaldada pela OAB. Entretanto, cabe dizer, nem tudo que é lógico é ético e correto. Mais uma vez, a lógica da arrecadação fala mais alto.
Numa entrevista, um dos advogados diz que o homicida Adélio, por “insanidade”, seguiu ordens de Deus. Certamente, como disse Saramago sobre tais afirmativas, transformou Deus num assassino. Os advogados estão sendo éticos ou estão fazendo conluio com algum preconceito ideológico violento? Uma fronteira delicada. Danos psicossociais graves podem advir da mensagem subliminar: você mata, diz que foi Deus quem mandou, arranja quem concorda com isso e que vai financiar os advogados de defesa sem se revelar. São os mecenas e filantropos do crime?
O analista, caso receba algum analisando com esse problema, tem pouca influência sobre a mobilidade da personalidade que depende de certos valores éticos. Os principais valores são o respeito à verdade e o respeito à vida. O analista tem de exercer sua paciência para aguardar que o analisando perceba a importância da verdade. Isso pode levar muito tempo, mas os resultados ocorrem. Entretanto, para quem não se analisa, a perversão de valores vai durar a vida toda e se incrustar como craca nos
costados de um navio. O amor à verdade, o respeito à vida e aos valores éticos, todos parecem ficar muito longe nos episódios do nosso país — como se estivéssemos nos recônditos do “Inferno de Dante”.