Ana Beatriz Barbosa Silva vai ser a única psiquiatra no meio de oito juristas, incluindo o juiz federal Marcelo Bretas (um dos principais nomes da Lava Jato carioca), a participar do 2º “Seminário Interdisciplinar – O Brasil Contra a Impunidade (a violência urbana e os desafios da sociedade emergente)”, nos dias 12 e 13 de abril, no Centro Cultural Veneza, em Botafogo. Isso não chega a ser exatamente uma novidade pra ela: é autora da série de livros que retratam vários tipos de comportamentos disfuncionais (“Mentes Perigosas”, “Mentes Insaciáveis”, “Mentes Ansiosas”, “Mentes e Manias”, “Mentes Consumistas”, e assim vai). A psiquiatra viaja pelo Brasil, dando palestras, inclusive a prevista para o evento, “Perfil de personalidade do transgressor contumaz”. Esse tema pode ser mais atual?
Ana Beatriz, que usa sempre um tom pop em seu trabalho e um toque de humor, é consultora de novelas da amiga Glória Perez, já lança seu próximo livro “Solidão Acompanhada” (Globo Livros), entre maio e junho, com a certeza de que vai virar peça. Ao fim da entrevista, essa médica, de voz segura e vibrante, deixa a sensação de que existe saída. E outra: sugere sempre que pensar antes do geral, em vez do particular, pode ser um grande primeiro passo.
Da sua parte, o que vem por aí no seminário “O Brasil contra a impunidade – a violência urbana e os desafios de uma sociedade emergente”?
Acho que é um segmento do seminário do ano passado “Brasil contra a Corrupção”, realizado na Escola de Magistratura do Rio. Estamos começando a constatar que temos um nível de corrupção absurdo e um nível de impunidade intolerável para uma sociedade razoável. O que que a gente pode fazer? Sou a pessoa que pensa sobre isso. Nunca imaginei participar de um seminário desse perfil, até que um amigo juiz argumentou que “por só pessoas da área jurídica participarem, é que estamos assim”. Da ciência em relação aos comportamentos, sei que existem criminosos que têm prazer em transgredir como se fosse um grande jogo de xadrez, um desafio, uma diversão. A impunidade era tão certa que foi aumentando a ousadia, gerando a corrupção sem constrangimento, escancarada. A corrupção mata mais do que uma epidemia qualquer, e, claro, a violência está muito ligada à corrupção, cada vez mais com quadrilhas bem articuladas e aparelhadas, de diversas áreas. Nós temos que nos unir também, disse ao amigo juiz, e resolvi participar. O que fazer pra se pegar o corrupto? Não é fácil: o crime é muito unido, é organizado. A sociedade é que não está organizada.
Você é a única médica palestrante no meio de juristas, como o Marcelo Bretas. Como se preparou para falar sobre impunidade através da psiquiatria?
Dando esse perfil do transgressor contumaz, que não se importa com nada nem ninguém.
Quais os maiores desafios atuais?
Criar novos mecanismos pra fazer com que a impunidade não seja tão alarmante como hoje. A prisão em segunda instância foi grande avanço — antes, podiam passar 20 anos e, quando chegava a hora de ser presa, a pessoa já estava velha; por exemplo, o ex-governador Paulo Maluf e o juiz Lalau. A prisão em segunda instância foi um frescor de esperança para a população. E agora vem um juiz do STF e mudou o seu voto dado em 2015.
Sérgio Cabral fez uma declaração de que é viciado em dinheiro e poder. Existe defesa consistente para esse tipo de caso?
Quando ouço alguém dizer que Sérgio Cabral foi burro, digo que não — Sérgio Cabral foi Sérgio Cabral. É uma personalidade fria e calculista que não se importa com o sofrimento dos outros. Isso é uma personalidade, não é uma doença. Por mais que grande parte das pessoas acredite ser o psicopata um doente, ele é absolutamente saudável no que se refere à saúde mental. O conceito de psicopatia consta de forma equivocada no Código Penal, definido como uma doença mental, e não é. A psicopatia é um transtorno de personalidade, do jeito de agir. O psicopata tem valores internos distorcidos. Só visa ao seu próprio bem-estar. A definição de personalidade psicopática é aquela desprovida de qualquer empatia pelo outro e que visa obter status, poder e diversão.
Qual “A Visão Comportamental do Corrupto Contumaz”?
Corrupto contumaz é aquela pessoa indiferente aos outros, com o objetivo de tirar vantagem em tudo: egoísta, individualista e que se diverte com o sofrimento alheio.
Na sua extensa carreira, houve casos desses no consultório? Tem como exemplificar?
Tive, sim, mas não tem como exemplificar. Se você pega um empresário selvagem querendo ganhar cada vez mais pra humilhar, ter mais poder, dominar, subjugar e manipular, é uma característica de um psicopata tanto quanto a indiferença com as outras pessoas.
Você já disse algumas vezes que, cedo ou tarde, todos nós vamos conviver com um psicopata (no livro “Mentes Perigosas – o psicopata mora ao lado”). E com um político corrupto? É mais difícil identificar esse perfil?
Na política, existe um percentual grande de corruptos contumazes; aqueles que se envolvem e se arrependem não são psicopatas. Agora temos esperança de não ser como era no passado: quantos Odebrecht nós achamos que seriam presos, quantos ex-presidentes? Por mais que exista um certo desânimo, algo está mudando. Não podemos desistir, deixar que isso pare.
Esses políticos deveriam ter aulas sobre saúde mental, empatia, gentileza, compaixão?
Antes de dar aula pros políticos, precisamos saber quem está apto pra ser político. Não podemos deixar que haja um retrocesso. Nesse caso, qual a história patológica pregressa? Por isso, acho que a Lei da Ficha Limpa precisa ser rigorosa. Quanto à empatia (sensibilidade com relação ao outro), não se ensina, enquanto que compaixão e gentileza podem ser praticados, treinados, incentivados. Digo sempre que a cooperação é muito mais lucrativa do que a competição; o individualismo estimula o comportamento psicopático. Ser generoso e ter compaixão é muito mais lucrativo.