A gari Paula Veríssimo estaria eleita caso se candidatasse a “prefeita da Gávea”. Ela aparece mesmo naquela roupa laranja-cheguei, cabelo sempre natural-louquinho-carioca e acessórios maxi, dos óculos aos braceletes, muitas vezes suando em bicas de vassoura na mão, sob 40 graus, mas sempre montada na produção impecável. Essa entrevista seria sobre um tema pontual: os moradores de rua que tomaram conta da Praça Santos Dumont, seu ambiente de trabalho. Porém, ao ouvir sua história, ampliamos a conversa com a gari que foi transferida de Niterói para a Gávea, em 2010. É moradora da Mangueira desde os 4 anos e apaixonada pelo samba (sua mãe era presidente de ala da famosa escola de mesmo nome).
Ela escolheu a profissão por necessidade, já que, à época, era mãe solteira com dois filhos pra educar: “Foi a porta que se abriu, mas logo depois me senti escolhida pela profissão e, como já te disse, amo meu trabalho”. Paula é pedagoga, formada pela extinta Faculdade da Cidade, na Lagoa, depois de ter ganho uma bolsa de estudos intermediada pelo ator Antônio Pitanga, a quem conheceu quando era ascensorista da SUDERJ (Superintendência de Desportos do Estado do Rio). Paula conhece cada palmo do bairro e é adorada por todos. No seu aniversário, dia 30 de novembro, tem sempre festa na rua. Talvez ela deixe uma mensagem nas entrelinhas, além da garra e da alegria: começou a profissão por falta de opção, apaixonou-se por ela e hoje seria a sua escolha na vida.
Como você se tornou essa celebridade do bairro?
Sou muito verdadeira; vai ver, é por isso, e sempre trabalhei com o público.
Trocaria a Gávea por outro lugar?
Não trocaria a Gávea por nada – virou minha família. Em cada ponto, em cada esquina, tem gente querida. Trabalho com amor e fiz amigos, das crianças aos idosos. O trabalho em si é mais compensador do que a profissão. Meu aniversário, fim de novembro, foi comemorado com bolo na rua, trazido por uma moradora.
Do começo até hoje, quais as maiores mudanças do bairro?
A migração de moradores de rua para a praça está evoluindo. Antes chegavam sozinhos; agora é com a família. Eles estão aumentando muito. Imagino que por a Gávea ser calma, tranquila, se sintam bem e nada os impede.
O que muda com isso?
Não são mendigos, são moradores de alguma comunidade. Eles cagam, mijam, fazem sexo, sujam tudo e a gente tem que limpar. Limpo todos os dias. Os homens são mais alterados com drogas; elas parecem mais dependentes apenas do álcool. Imagino que o Rogério (Marques, o florista) sofra muito. Ele tem amor pela praça e faz esse trabalho tão bonito: apara a grama, poda as árvores, cuida de tudo.
Qual foi a coisa mais inusitada que você encontrou num lixo carioca?
Já encontrei de tudo: documento, tablet, celular e, em época de carnaval, a gente encontra cueca, sutiã, calcinha… É o que chamo “lixo de carnaval”.
Falando nisso, o carnaval é a pior época pra você na Gávea?
Sem dúvida… São toneladas de lixo.
Já pegou coisas descartadas e que serviam muito bem para outra pessoa ou até pra você?
Já usei muita coisa que descartam – meu banheiro quase todo foi feito com lixo da Gávea, vaso, tinta, basculante. Minha árvore de Natal montei de sucata. Lixo é ouro.
Já chamou atenção de alguém que passou pela rua e jogou lixo no chão?
Faço isso constantemente; muitas vezes, digo: “Acabei de varrer, e você age assim?”. As pessoas não gostam, e alguns respondem que estou aqui pra isso. Mas acho que o gari é um guardião.
Temos um grande exemplo de gari que conquistou os cariocas, o Sorriso. Você o conhece?
Conheço, sim, me inspiro muito no Sorriso, é meu espelho. Falei pra ele: “Eu ainda vou ser igual a você.” O Sorriso é um exemplo.
Foto: Lu Lacerda