Glória Maria já disse ter vivenciado todas as caras do racismo, razão do convite para falar sobre o aniversário da Lei Áurea, assinada em 13 maio de 1888, além, claro de ser uma jornalista de destaque no País, vitoriosa por si. A entrevista em 2017, por ocasião do Dia Nacional da Consciência Negra, na qual a apresentadora do Globo Repórter tocou em muitos pontos sensíveis, teve muita repercussão. Apesar de, talvez, pensarmos que certas vivências cruéis na vida de Glória sejam caminhos vencidos, em muitas situações, é perceptível sua tristeza ao falar de crueldades do passado. A tomar por outras publicações neste site, muito do que Glória diz tem concordância coletiva. Neste domingo (13/05), faz 130 anos que a princesa Isabel assinou a tão famosa Lei Áurea. Até que ponto mudou alguma coisa na realidade? Veja a opinião de Glória Maria.
Fala da Lei Áurea, aniversariante de hoje!
“A Lei Áurea só nos livrou das correntes; nossa alma e nosso corpo continuam presos por preconceito e discriminação. É como se não tivéssemos os braços, as pernas e nosso cérebro, que segue acorrentado pela crueldade do racismo.”
Qual a situação atual?
“Hoje, o negro, de maneira geral, continua sem espaço, sem visibilidade e sem voz. O que a gente tem que significa liberdade é só uma concessão de vida, o direito de estar no mundo, mas sem o direito de ser o que somos. Atualmente, a escravidão está pior do que nunca porque vivemos acorrentados ao mundo branco, temos que viver segundo a cultura branca. Pra ser um negro respeitado ou reconhecido, tem que fazer o papel do perfeito. Ter erros, falhas e desencontros, jamais! Não temos o direito de errar, ou vamos ouvir ‘isso é coisa preto’. A nossa luta é pela sobrevivência do ser humano que nós somos.”
Quando isso vai ser mudado?
“A gente precisa de mais 200 anos pra acabar com a escravidão. Não importa a posição em que esteja o negro – ele é considerado inferior, não temos chances iguais aos brancos, não temos o direito de ser, só temos deveres. O pouco que se consegue de representatividade neste país é à custa de dor, lágrima e sofrimento. O conjunto da obra me faz sofrer; o preto tem um lugar sempre reservado pra ele. Quando tenta furar isso, é olhado com desconfiança, tipo: ‘será que eles não sabem o lugar deles?’ Quando tenta sair, é visto como um usurpador, roubando uma posição que não lhe pertence, fora da realidade.”
Qual a saída?
“Tem dois caminhos. O primeiro é as pessoas reconhecerem o outro como igual; aprenderem a respeitar as diferenças. E, pra que isso aconteça, precisa haver educação, cultura, respeito e sensibilidade – sendo que essa última parte ou você tem, ou você não tem. O segundo caminho é uma coisa prática, e não é a gente se defender, é atacar, mostrando às pessoas a nossa cara, nos tornando mais visíveis – ocupar espaços e não aceitar essa posição de inferioridade em que tentam nos colocar. Nós, negros, precisamos ter a noção de que somos, lindos, fortes e poderosos.”