Millôr Fernandes, que partiu na noite dessa terça-feira (27/03), depois de falência múltipla dos órgãos e parada cardíaca, era dono das frases mais geniais do Brasil, como todos sabem. Transcrevo aqui, depoimento do genial Millôr para o livro “Tudo que eu já fiz por dinheiro”, de minha autoria, Lu Lacerda, Editora Objetiva.
Faria qualquer coisa por dinheiro – Millôr Fernandes
“O dinheiro não é tudo, tudo é a falta de dinheiro. De todas as minhas frases sobre o tema, esta é a que eu prefiro.
Sou rico. Claro que não tenho 20 milhões de dólares, mas 10 tenho. Não gasto nada comigo. Quando gasto muito, não chega nem a três mil reais por mês. Isso incluindo almoços e jantares. Penso em trocar esse carro que está aí fora – que é um Fiat 91 – há mais de um ano. Deixo sempre para o dia seguinte. Nem ligo para essas coisas. Nem roupa compro, fazem isto para mim. Ainda assim, minha vida é caríssima. É que com os outros gasto muito. Qualquer coisa que as pessoas precisem ou insinuem precisar, eu dou. Faço questão de atender. Todos gostam de dinheiro, por que não dar se você tem?
No Brasil a remuneração para a minha classe – jornalismo – é muito precária. A televisão já paga muito bem. No tempo em que o rádio era poderoso, nós ganhávamos um e o rádio cinco. Hoje é a mesma coisa. Dentro da minha atividade – imprensa em geral – sempre fui um dos maiores salários. Dá para fazer o que bem entender, sem nem pensar nisso.
Às vezes, a gente vê uma mulher maravilhosa tomar um banho, se perfumar, e com toda a sua graça pegar naquelas notas sujas, fedidas e botar na bolsa, sem sequer se conscientizar de que aquilo passou de mão em mão e é imundo. É por isso que se diz que o dinheiro não fede. O que é isso? É a força que ele tem.
Qual é a única coisa que não explora o sexo feminino? O dinheiro. Estou me referindo às notas, claro. O dinheiro de papel. Se você olhar o papel-moeda em qualquer país do planeta, não vai achar a exploração sexual ali. Não tem mulher nua, de maiô ou de bunda de fora. Você vai ver homens barbudos, homens a cavalo ou no máximo a Rainha Vitória. Em qualquer outro produto do mundo, da pipoca ao iate ou ao apartamento, tem sempre uma mulher explorada de todas as maneiras. O dinheiro não precisa desses apelos. A força dele é tão grande, que basta a si próprio.
Nada tem mais poder que o dinheiro. Nem o sexo. A sexualidade não é constante. No começo da vida, ainda não apareceu de todo, e à medida que a vida avança, vai diminuindo. E naturalmente, ocupa cada vez menos o nosso tempo. Essas pessoas de classe média por exemplo, chegam por volta dos 50 ou 60 anos, só querem saber de comer, arrotar, ver televisão e mais nada. Quanto ao dinheiro, está presente o tempo todo, desde que a gente nasce.
Não se pode julgar alguém por estar roubando para comer. É uma necessidade básica, e por isso só já se justifica. É um direito que a pessoa tem. Todo mundo tem o direito de viver. É uma questão da luta pela vida. Eu, Millôr Fernandes, se não tivesse dinheiro nenhum, faria qualquer coisa por ele. Qualquer coisa mesmo. Num livro decente como o seu, prefiro não entrar em detalhes.”