O rabino Nilton Bonder continua com a agenda de lançamentos dos livros da série “Reflexos e refrações”, agora, o sexto volume, “Cabala e a arte de investimento do poder” (Rocco), em evento nesta segunda (22/08), a partir das 18h, no Teatro Café Pequeno, no Leblon. Dois dias depois, ele toma posse da cadeira de nº 8 da Academia Carioca de Letras (ACL), no Centro, às 17h, sucedendo o escritor e jornalista Murilo Melo Filho (1928-2020).
Bonder é o rabino mais antigo em atividade no Brasil (30 anos). Sempre renovando, seus livros costumam voar das prateleiras — são mais de 20, um prêmio Jabuti em 2000, além de outros internacionais —, as palestras têm espera, empresas desejam sua consultoria, e as aulas sobre Cabala são a maior atração do Centro Cultural Midrash, no Leblon. Ele salvou a vida de muita gente, digamos assim, na pandemia, com as inúmeras lives de que participou.
Os livros começaram a ser escritos pouco antes de surgir a covid-19; com o isolamento, o processo acelerou, e todos os sete foram terminados. Ao ler qualquer um deles, com a sua vontade posta em ação, certamente ao chegar às últimas páginas, qualquer (?)estará maior do que quando começou. Os temas são interligados: risco, cura, alegria, sexo, afeto, poder e ritmo. “Os temas são trabalhados, cada um em vários planos, que, por sua vez, são regados a parábolas e contemplações. O resultado são livros com estrutura similar, utilizando lentes próprias e gerando possibilidades de ir mais fundo. Daí o termo ‘Cabala’ sendo usado como uma plataforma que independe de narrativas para formular sentidos”, explica.
O novo título tem o objetivo de explorar o poder de todas as formas de representação, como a força, a honra, o saber e a riqueza. Ele convidou quem entende do tema para escrever o prefácio, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que diz: “Bonder lançou um olhar ousado, criativo e original sobre um dos temas mais antigos da história da humanidade: o poder, seu fascínio e sua perdição.”
Antes do poder, tivemos os temas como risco, cura, alegria, sexo, afeto e ritmo. Como foi essa escolha?
Estas são as sete propriedades capitais do sistema da vida: o risco, o afeto, a alegria, a cura, o ritmo, o sexo e o poder. Cada qual tem uma palavra que o caracteriza: a manutenção, a apreciação, a preservação, o tratamento, o presenciar e o investimento. A série se deve ao fato de que são interligados; então, cada livro é uma unidade, mas elas se complementam. Lidos em conjunto, tornam-se um sistema e ganham mais nitidez.
E sobre a ideia de convidar Luís Roberto Barroso para o prefácio? Tudo a ver com o poder?
O Judiciário é um poder, mas com a função de conter e ordenar o poder. Achei, então, que um membro da Suprema Corte seria apropriado para o tema. E já que o olhar é mais poético do que técnico, achei que o ministro Barroso tinha também o dom de se expressar de forma figurada e metafórica e que apreciaria a proposta do livro.
O poder é um dos temas mais antigos da História, como escreveu Barroso, junto com seu fascínio e sua perdição. Por que é tão fácil se perder, tendo poder nas mãos?
Porque a natureza do poder é ocupar e submeter, ou, como dizemos, apoderar-se. Nesse livro, apresento essa disposição que é a ambição, tal como a alegria e o sexo. A ambição é parte de Eros junto com a alegria e o sexo. E disposições não se moderam em si mesmo. Ninguém alegre se contém com sua alegria, a não ser que haja uma interferência externa. Esperar que o sexo ou que o poder se autorregulem é ingenuidade; é não compreender a força de uma natureza.
Você acredita na máxima “se quiser conhecer o caráter de uma pessoa, dê-lhe poder!” Por quê?
Isso não acontece porque ela simplesmente exerce o poder. Se algo amplia sua alegria, por que você iria contê-la? Sim, pode fazê-lo por afeto, por temor ao risco, porque é insalubre. Mas a alegria não irá se conter, assim como o poder. Porém o poder, por razões intrínsecas, próprias, pode resolver investir-se, e aí o objeto do poder pode mudar e trazer grandes avanços e progressos. A grande questão do poder é saber investi-lo. Fazer o poder ter como um objetivo conter a si mesmo, por exemplo, não é domesticá-lo ou atenuá-lo, mas saber como investir o poder para propósitos maiores.
Lançar o livro a dois meses das eleições foi algo proposital?
Não foi. Assim como o livro da Cura aconteceu no início da pandemia, e a Alegria, no meio da pandemia. É que esses são os elementos da vida; hoje ou amanhã, eles se manifestam. Então, o poder está nas eleições, mas em guerras, em inovações e tantos outros aspectos.
O poder é extremamente corruptível? Como resistir às suas tentações?
Nunca resista a uma natureza de frente: você vai perder! Existem apenas duas formas de não ser seduzido, ou melhor, abduzido por uma natureza: fuja dela ou encontre uma forma de canalizá-la para algo maior, o tal investimento.
A cada ano eleitoral, as pessoas ficam mais bélicas, com sede de poder? Dê exemplos do poder para o bem.
O poder como um atributo não tem nenhum compromisso com o bem. O “bem” está mais para a esfera do afeto; o poder apenas executa forças. Quando o jacaré exerce seu poder sobre o peixe, ou quando um macho antílope expulsa outro, são naturezas. O ser humano vem tentando investir a sua ambição e seu poder com um esforço hercúleo, ora usando da moral, ora de valores, para direcioná-lo a propósitos maiores. Como um raio, que é uma força destrutiva por sua natureza, mas, se conduzido a um sistema elétrico, pode manter o calor de um incubadora de um recém-nascido necessitando de cuidados especiais.
Por que é tão fácil enganar as pessoas usando a roupa do poder?
Porque tanto o eleitor quanto o eleito não sabem lidar com o poder. O eleitor precisa que o eleito esteja primeiramente compromissado com pesos e contrapesos e que, por meio de poder, contenha o poder e o encaminhe na direção do investimento certo. Solto sem anteparos, o poder apenas avança sobre o que é débil e tímido. O eleito, se for de boa índole, irá buscar transparência para que lhe auditem o quanto for possível. Qualquer outra atitude é ingênua, tanto da parte do eleitor como da do eleito.
E por que é tão fácil viver num mundo da fantasia, tendo poder (muitos criam seus próprios mundos)?
O poder é sempre objetivo. Quando se entra na “pessoalidade” ou nas fantasias, então aparece o elemento da subjetividade. A subjetividade é a Kriptonita do poder: o subjetivo é sempre quem perde a briga, a competição e a discussão.
Estamos vivendo uma era tecnológica, em que a informação vem aos montes, junto às fake news. Como usar esse poder das redes para, digamos, o lado bom?
Poder, como disse, não tem compromissos com bondades. O sistema tem que usar o poder e investi-lo; não há como atenuá-lo na origem sem perder capacidade, produtividade ou elã. Então cabe aos sistemas canalizar a força de suas capacidades, e não reprimi-las. Pense que o poder é radioativo (vidaativo), então tem que ter refrigeração para resfriá-lo e estar submetido a uma regulamentação extremamente rígida para canalizar sua potência; caso contrário, o estrago é grande.
Pra você, qual o maior poder que uma pessoa pode ter?
O maior poder que uma pessoa pode ter é o controle do seu ímpeto. Isso, porém, só se consegue investindo o poder. Leia lá no livro.
A pandemia influenciou a atitude das pessoas em algum sentido? O que tem notado?
Não. Pandemias e cataclismas não mudam as pessoas. Só a consciência, a conversa entre o intelecto e os afetos, pode mudar as pessoas.
numero:13 Barroso ainda escreveu suas tiradas (que gostaríamos muito que desenvolvesse, pelo menos um pouquinho mais): “Perde-se a sabedoria quando se misturam as opiniões e a verdade.”
Digo isso no livro. Quando alguém se torna subjetivo – inserindo opiniões, ideologias ou crenças na sua atuação ou tarefa e abandonando a objetividade –, essa pessoa é derrotada. Mas cuidado, porque o mal tende a ser mais objetivo do que o bem, razão pela qual o mal muitas vezes leva. Somente quando o bem sabe investir seu poder, sem fantasias ou ilusões, então o seu poder fica maior do que o do mal. O bem tem esse trunfo, mas é preciso saber usá-lo.