Renato Rocha vem avançando em seus últimos trabalhos, no que aprendi, com o escritor Rubem Fonseca, conceitua-se, desde o século XIX , no Romantismo alemão, como “Gesamtkunstwerk”, a obra de arte completa. As instalações, as performances, a trilha sonora, os textos, a aproximação com o público, a mistura do popular do pop, do erudito, do folclórico formam um painel de diferentes dramaturgias no qual o fio narrativo se refere à própria encenação assim como ao mundo em que vivemos, como cenário social, mas em que a subjetividade que decorre do que acontece.
Em “Urutu”, o circo armado no estacionamento do CCBB, com os jovens artistas da Escola de Circo e em Respira com os “performers” do grupo Nai que Renato dirige, os experimentos se desenrolam de forma simultânea, caleidoscópio e mosaico, que, ao mesmo tempo, causa a melhor reflexão – aquela que vem da beleza, do envolvimento, da naturalidade das misturas, aparentemente improváveis, que acabam por contar uma história, ainda que nem linear nem tradicional.
“Urutu”, que, para os povos originários, é a cobra grande, símbolo da deglutição e da gestação, é o símbolo para comemorar os 200 anos de Independência e 100 anos da Semana de Arte Moderna. Tudo é antropofágico no sentido clássico. Os artistas são de circo, mas saem saltimbancos, atores e atrizes que reencenam a brasilidade. Os figurinos, coloridos, criativos, alguns luxuosos, de Isaac Neves, expressam a fantasia dos trapezistas, equilibristas, até contorcionistas e, por isso, devolvem emoção na perícia.
A trilha sonora, que começa de forma expressiva, com Villa-Lobos, Trenzinho Caipira, e não com a escolha óbvia de Floresta Amazônica, já anuncia o que veremos: Brasil na veia. Sem recursos banais, com o poema “O Bicho”, de Manuel Bandeira, como fio condutor, “Urutu” é uma experiência de encenação; para o espectador, são 2 horas de emoção, prazer, fantasia e total conscientização do papel da arte.
Respira, de curtíssima temporada, é da mesma ordem. As instalações, os próprios atores como escultura, o lixo, coisas usadas, misturadas a materiais inusitados, plásticas, fantasias de bloco sujo, tudo é borrado, tudo tem uma marca. O Grupo NAI- Núcleo de Artes Integradas quebra qualquer possibilidade de quarta parede. Não existe palco; existe a arena por onde se deslocam e se transformam. E radicalizam quando transformam o que seria um momento de recepção em um trajeto de ação. Vamos todos, artistas e público, dançar como se não houvesse outro dia. Vai voltar aos palcos, e quem viver verá.
Fotos: Renato Mangolin
Serviço:
Estacionamento do CCBB
Quarta a domingo, às 19h