“Meus trabalhos são baseados em enredos, são histórias muito intrincadas. Estou muito interessado na fábula como Brecht a entende”. Rafael Spregelburd, o premiado autor argentino, considera que sua obra pode representar a teoria do caos e, com isso, ao apresentar “Tudo”, uma peça composta por três episódios, considera que suas peças invariavelmente passam pelo desmonte de instituições, como a família, a religião e as representações de poder na política e na economia.
“Tudo” com as fábulas nos trazem um caráter educativo ao fazer uma analogia entre o cotidiano humano e as histórias vivenciadas pelas personagens. Essa analogia é chamada de moral e geralmente é apresentada no fim da narrativa, direção de Guilherme Weber, que alcança um resultado raro. São cinco experientes atores de primeira linha: Júlia Lemmertz, Dani Barros, Vladimir Brichta, Cláudio Mendes e Márcio Vito. Eles se movimentam, dialogam e trocam de forma equilibrada sem protagonismo algum. Com isso, ganha-se densidade e um enorme prazer da plateia de confirmar que a essência do teatro é o autor. A prova é Cláudio Mendes ( médico), na terceira fábula, emitindo “Tomara!”; apenas essa palavra, e temos uma atuação empolgante.
A partir de três perguntas, o autor investiga o indivíduo em confronto com o poder a partir de três perguntas: “Por que todo Estado vira burocracia?”, “Por que toda arte vira negócio?”, “Por que toda religião vira superstição?” Funcionam como uma sessão de dentista na qual, de boca aberta, o profissional vai investigando e aí, aí e aí, o ferrinho acerta no ponto que nos dói, até então imperceptível. Da cena de uma repartição pública, com as atividades e conversas desconexas, um jantar de Natal com os desentendimentos clássicos e uma mãe enlouquecida com a febre do bebê, vai-se varrendo todo tipo de doença, mental e física.
Em um cenário com cadeiras na lateral, que cria a visão do outsider presente/ausente, com figurinos pretos que ganham pequenas versões para ressaltar um aspecto daquele personagem, há um show de expressão corporal. “Tudo” é capaz de ser ao mesmo tempo vanguarda e clássica, paródia e realismo, prazer e dor, riso e angústia. E para que pedir mais de uma peça? Tudo está lá.
Serviço:
Teatro Firjan SESI (Av. Graça Aranha, 01, Centro)
Quintas e sextas, às 19h
Sábados e domingo, às 18h