Existem obras emblemáticas. “Esperando Godot”, de Beckett, talvez, dentre aquelas do século passado, seja a maior delas. Dois mendigos repetem os textos, declarando que esperam um terceiro personagem, Godot, que jamais aparece. Tão indecifrável que o próprio autor declarava que não conseguia explicar. “Os bolsos cheios de pão”, dirigido por Fernando Philbert, é formado por duas peças curtas de Matéi Visniec: “O último Godot” e “Os bolsos cheios de pão”.
Matéi Visniec, nascido no norte da Romênia comunista de Ceausescu, rapidamente descobriu na literatura um espaço de liberdade. Alimentou-se de Kafka, Dostoiévski, Camus, Beckett, Ionesco, Lautréamont… Gosta, até hoje, dos surrealistas, dos dadaístas, das histórias fantásticas, do teatro do absurdo e do grotesco, da poesia onírica e até do teatro realista anglo-saxão; enfim, nada além do realismo socialista. A encenação, de Fernando Philbert, um diretor ecumênico, alcança plenamente a proposta.
Se a tônica de Visniec, em muitas das suas obras, é a farsa, aquele real percebido através do prisma distorcido de inversões incongruentes e confusões de escala, essa é veia explorada que se concretiza na atuação dos dois atores Louise Cardoso e Luiz Octavio Moraes. Eles se movimentam pela arena de forma bastante interessante, com o corpo oscilando entre gestos reais e outros exagerados, desencontrados, criando aquele breve sorriso, típico da ironia.
Os dois textos formam um todo inseparável, pois, enquanto no primeiro, o Godot aparece, no segundo cria-se um novo Godot, agora na figura de um cachorro. Em ambos, misturam-se as metalinguagens explícita e implícita, pois o teatro é tematizado ao mesmo tempo em que se recai na questão do humano como algo que não se alcança.
Serviço:
Arena Sesc Copacabana
Quinta a domingo, às 20h