Existem referências tão fortes nascidas nas artes que acabam se incorporando ao nosso cotidiano. A palavra “kafkiana” — relativa a situações absurdas, sem lógica, sem solução — é empregada frequentemente. O musical “Kafka e a boneca viajante” é pura poesia ao trazer para o palco um momento da trajetória de Franz Kafka, escritor tcheco, em que o absurdo é substituído por fantasia e plena emoção (sem spoiler).
Baseada no livro homônimo do escritor catalão Jordi Sierra i Fabra, a dramaturgia de Rafael Primot é de total e rara competência. Os diálogos, rápidos e certeiros, permitem que as quatro personagens se mantenham na sua individualidade e tenham relacionamentos que se alinham e crescem, cada um com textos que marquem as individualidades. Além disso, as músicas funcionam como conteúdo que impactam de tal forma positiva que o espectador se deixa levar.
A direção de João Fonseca deixa claro que ele está no panteão de diretores de musicais. Totalmente sem gritos, Alessandra Maestrini, André Dias, Carol Garcia e Lilian Valeska são atores, cantores viscerais que trazem ao palco a doçura que a história exige. Tudo é suave, poético, delicado nas marcações de João Fonseca, permitindo que fiquemos sem piscar, sem perder um segundo do que se passa no palco. A presença de tipos folclóricos de vários países é realizada de forma tão interessante, tão boas quanto as do “Quebra Nozes”, na escolha das músicas, dos figurinos adaptados.
A cenografia de Nello Marese se adapta à transformação e fantasia do tempo no projeto idealizado pelo criativo (e bem-sucedido) empreendedor cultural Felipe Heráclito Lima, que já nos trouxe Dogtown e Ficções, dentre outros. A equipe acerta em cheio no espetáculo que, de um livro voltado ao público infanto-juvenil, transforma-se em um musical que, ao sairmos, nos dá a certeza de ter visto, senão o melhor, um dos melhores musicais que já apareceram por essas plagas.
Serviço:
Centro Cultural Banco do Brasil
Quinta a sábado, às 19h30
Domingo, às 18h