Está na moda dizer que isso e aquilo têm camadas, mas fazer arte com camadas de significados, o que já se chamou de polissemia, usar os dois níveis do discurso, é um ato de coragem, talento e proficiência. “Julius Caesar – Vidas Paralelas”, dramaturgia e direção de Gustavo Gasparani, partindo da tragédia de Shakespeare, é um show de camadas de acertos.
Primeiro, a comemoração de 35 anos de trajetória em 2023, a Cia. dos Atores, grupo carioca que tem produzido espetáculos antológicos. A marca da companhia está lá: a capacidade de revirar os assuntos, criar dramaturgias, mostrar ângulos que não se veem. Assim, o uso da metalinguagem (a peça dentro da peça), que poderia parecer algo de muita recorrência, só traz maior sentido a mostrar a miséria humana na luta pelo poder.
Segundo, um elenco que mistura veteranos, jovens, integrantes da companhia, convidados que produzem uma explosão de interpretações memoráveis. Estão lá César Augusto (um dos fundadores e integrante da Cia. dos Atores), Isio Ghelman, Gabriel Manita, Gilberto Gawronski, Suzana Nascimento e Tiago Herz. Cada um alcança, com entrega e acerto, trabalhar papéis e textos simultâneos, em uma velocidade, sem nenhuma quebra. Do ensaio- primeiro nível, o ensaio, com falas de um cotidiano, e passa-se, sem corte e interrupções, para o texto apurado, do poeta. Os atores mudam a voz, a entonação, sem se perder uma vírgula.
O cenário, ênfase nas cortinas – elemento fundamental em teatro, pois abrem e fecham para captar aqueles instantes –, é manipulado pelos personagens, servem também como fundo de projeções, são brancos como almas e fantasmas, que entram e saem e retornam como realidade. Está lá com texto de 500 anos, falando de fatos de 2.000 anos, que ainda nos assombra, para provar que o que vivemos hoje nada mais é do que os horrores dos poderes que se excedem.
Fotos: Nil Caniné
Serviço:
Oi Futuro, no Flamengo
Quintas e sextas, às 20h;
Sábados e domingos, às 19h.