Sempre que olhamos para o céu, para o horizonte, quando nos deitamos ou somos surpreendidos em um instante de solidão, de perplexidade, todos nós acabamos por pensar: isso que vivo é real, essa minha vida é sonho? As religiões pretendem explicar essas dúvidas, assim como os rituais, os estados de perda de consciência. O tema-chave de Yuval Harari, em seu best seller “Sapiens”, é a ideia de que a sociedade humana foi, em grande parte, impulsionada pela capacidade de nossa espécie de acreditar no que ele chama de ficções: aquelas coisas cujo poder é derivado de sua existência em nossa imaginação coletiva.
Dessa matriz, Felipe Lima idealiza “Ficções”, o espetáculo irretorquível, com Vera Holtz sozinha, em um palco, acompanhada pelas cordas de Federico Puppi, que dialoga com a miríade de sentimentos que afeta a todos. O texto e a direção de Rodrigo Portella trazem uma nova dimensão ao que, normalmente, é chamado de teatro. Vera, ela própria com o “camisolão, com os enormes cabelos, é uma instalação que se move. As diferentes personas que encarna (cada personagem é além de uma pessoa) representam um grupo, uma categoria, são percebidas pela alteração de voz, de sotaque. Rodrigo é um realizador que se permite pôr em ação todas as formas de artes, e a plateia recebe a obra completa.
Dentro desse trabalho, há dois destaques: o cenário de Bia Junqueira e a decisiva e emocionante presença de Federico Puppi — o instrumento constrói um envolvimento musical, a trilha que pontua o tempo, as palavras, os sentidos. Brinca, chora, grita, silencia. Na performance de Federico, justamente premiadíssima, é como não houvesse fronteiras entre um código e o outro, quando contribuem para o mesmo discurso. O cenário de Bia, um enorme meteorito e uma moldura transformam o palco em aparente quadro que se recusa a ser estático. A performance de Vera nos faz sentir como se estivéssemos ali, ao lado dela, tomando um café, um vinho, ou apenas vendo a paisagem. “Ficções” é mais do que um conjunto de acertos — é a certeza de que há um novo nas artes performáticas no Brasil, o que nos enche de esperanças!
Serviço:
Teatro Casa Leblon, Leblon (Av. Afrânio de Melo Franco, 290)
Até 15 de outubro, quintas, sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 18h.
Vendas no www.eventim.com.br