Ao entrar no prédio do Oi Futuro, já se respira o ar de contemporaneidade. A fachada do casarão-palacete do início do século XX esconde as enormes (e ótimas) possibilidades de fazer arte no século XXI. Acabaram-se as fronteiras, como sê na Bienal de Veneza e na Docummenta de Kassel. O corpo é a instalação que é o centro da performance com o cenário que é a escultura. A música integra o texto, e o figurino é uma declaração. O espetáculo “Bu!” é um bem acabado, um exemplo do que de melhor se faz nos centros internacionais de arte.
O espetáculo começa no térreo do espaço cultural, onde o espectador será impactado por painéis luminosos (semelhantes aos da Times Square) transmitindo o comercial que marca o lançamento mundial da versão “Bu! 2022 – o relacionamento perfeito para o século XXI”. Haverá também televisores com videomanifesto sobre a ditadura da beleza e projeções que trazem uma atmosfera futurista para o ambiente. Em seguida, o público será conduzido para o último andar, ainda cercado por telões e projeções da boneca BU! por toda a parte até que, finalmente, ela surge no elevador.
A direção de César Augusto, o inquieto e talentoso artista, transforma uma história, comum à ficção científica – um robot que defeituosamente se transforma em humano – coloca a criação de Vanessa Garcia, atriz única, em beleza, ato político e reflexivo. Vanessa é Bu!, boneca sexual com inteligência artificial, vendida com todas as funcionalidades: apaixonada, empresária, bailarina, dona de casa, tímida, acrobata, lutadora, contadora de histórias, brincante, esposa – a acompanhante perfeita.
A interpretação de Vanessa é daquelas que despertam admiração por sua capacidade como atriz: a voz, o gestual, a movimentação quase mimética do que é caricatural de robot, que se transforma em um mergulho em profundidade do que é desumano, ainda hoje, os papéis das mulheres. Como paródia, o efeito é surpreendente: a revolta da certeza de que a situação da mulher é extremamente frágil.
A instalação cênica digital e interativa de Bia Junqueira, com criação artística (projeções, vídeos e fotografias) de João Casalino, Azullllllll, Ronaldo Soares e Vanessa Garcia, já é uma declaração em si do que se verá no monólogo. Elementos misturados dão sentido ao que se verá no ambiente do 5º andar. Bu é a inicial da palavra comum dos órgãos femininos, mas também é vaia, é fora, é susto. É o que a plateia sente quando, ao final, há cronômetro projetado, disponível no site da peça que irá contabilizar as vítimas de estupro no Brasil durante a temporada de dois meses. A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil. Buuuuuuuuu!
Serviço:
Oi Futuro, Flamengo
Sessões às quartas e quintas, às 21h (até 16 de junho)
Exposição de quarta a domingo, das 11h às 20h (até 19 de junho)