Sujeira, meleca, grude, malfeito que deu errado, comida ruim, desanimado, desmotivado. Bicha, veado, boiola, invertido, uranista, pederasta, entendido, sodomita, maricas, afeminado, baitola, fresco, mariquinha. Carvão, tiziu, macaco, tição, asfalto, urubu, escurinho. Como fazer dessas palavras e seu significado de diminuição, humilhação, um texto que conduz um espetáculo certeiro, positivo, reflexivo e importante?
“Angu”, projeto de Alexandre Paz, escrito e dirigido por Rodrigo França, com Alexandre Paz e Orlando Caldeira, constrói um inteligente e emocionante libelo que põe no centro a seguinte questão: o que é o universo de uma bicha preta? O sofrimento, a vergonha, os maus-tratos que estão no dia a dia, ao nosso lado, em nossos trabalhos, amigos e família, como são sentidos e vistos por quem é vítima. A construção dramatúrgica cria as vozes ao contar seis histórias que se alternam e mostram um olhar de 360 graus — uma joia!
A atuação de Alexandre e a de Orlando dão uma dimensão alargada às questões que o texto e a direção de Rodrigo apontam. Há paródias, dramas, troca de papéis sociais, inversões que os dois atores levantam e cortam com a categoria de medalhas de ouro do vôlei. Não há lamentos, nem vitimização – há fatos, poesia, que se apoiam nas imagens projetadas.
As figuras homenageadas estão longe de cumprir qualquer tipo de estereótipo, seja aquele do imaginário de todo homem negro e heterossexual e viril, seja aquele do homossexual “mulherzinha”. Lá estão as histórias e as imagens de Madame Satã, Gilberto França, o bailarino Reinaldo Pepê, Rolando Faria e Luiz Antônio ( (“Queer Les Étoiles”) e Jorge Laffond. Assim, “Angu” é uma peça com todos os melhores elementos do teatro: dramaturgia, direção, expressão, atores que se complementam nos depoimentos pessoais, de uma beleza ímpar, de Alexandre e Orlando.
Serviço:
Futuros – Arte e Tecnologia (Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo)
Sexta, sábado e domingo (15, 16 e 17/12), às 20h