Algumas pessoas acharam surpreendente dar de cara com o oncologista Daniel Tabak, um dos maiores nomes da área médica no Rio e no Brasil, num curso de Meditação Transcendental (organizado pela artista plástica Patricia Secco). Tabak é aquele que tratou o câncer do governador Pezão, da novelista Gloria Perez e outros tantos. Especializou-se em oncologia e em hematologia pela Washington University School of Medicine e foi diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do Inca (Instituto Nacional de Câncer) de 1987 a 2003. É, também, diretor médico do Centro de Tratamento Oncológico (Centron), em Botafogo.
Ano passado, publicou um artigo no jornal O Globo em que falava da sua preocupação com a toxicidade financeira do câncer, isto é, os altos custos do tratamento em todo o mundo e questionava o papel dos oncologistas em meio a esse desafio. “Os médicos não devem ser agentes do governo ou do mercado”, escreveu, acrescentando que todos os pacientes precisam ter acesso imediato a drogas capazes de salvar suas vidas ou de minorar o seu sofrimento. Depois de sofrer, na pele, o estresse de tantos desafios éticos e dilemas profissionais, o médico conta as razões que o aproximaram da prática da meditação.
Por que você resolveu fazer meditação?
“Iniciei um programa de ‘mindfulness’ há três semanas. Mindfulness é uma das técnicas de meditação. Ela foi desenvolvida por Jon Kabat Zin, PhD em biologia molecular pelo MIT. A meditação transcendental é uma técnica ainda mais profunda e abrangente, que sempre me intrigou. O convite de um amigo dileto de infância me convenceu a experimentá-la.
Fui vítima da síndrome de burnout, também conhecida como síndrome de esgotamento profissional, em 2011. Não fui o único. Hoje ela é identificada em 50% dos oncologistas nos EUA. Ela é caracterizada por perda de entusiasmo pelo trabalho, exaustão emocional e perda da significância que o trabalho dá à sua vida. Com ajuda profissional, de amigos e principalmente da família, recuperei a minha capacidade profissional,entusiamo pela medicina e por sua humanidade. Aprendi a reconhecer os meus limites. Mas o fantasma do burnout é traiçoeiro e nos ronda todos os dias. Diversas atividades, agora, minimizam a minha angústia na convivência diária com situações muito difíceis na prática da oncologia: o maior convívio com a família, atividades físicas regulares, o respeito ao sono, a fotografia como hobby e a tranquilidade periódica nas montanhas em Araras. Mas descobri que precisava de uma proteção diária. A meditação vem sendo recomendada como uma das práticas mais eficazes para promover o bem estar, fortalecer a mente e o espírito. Venci os preconceitos, organizei a agenda e mergulhei de cabeça”.
Apesar de estar começando agora a prática, alguma diferença perceptível?
“Com certeza. Não apenas eu percebi, como também as pessoas à minha volta. Estou me tornando mais tolerante, reconhecendo melhor os meus limites. Mas estou apenas começando: existe um longo caminho a percorrer”.
Com toda a sua experiência no combate ao câncer, dá para afirmar, objetivamente, que uma boa postura mental ajuda no tratamento e até cura da doença?
“O câncer representa uma multiplicidade de doenças. Nem sempre curáveis, mas frequentemente tratáveis. Infelizmente, os tratamentos são por vezes longos e mesmo quando finalizados, o fantasma das recidivas permanece por muitos anos.Os pacientes precisam enfrentar não apenas os desafios do tratamento, mas, principalmente, as incertezas. A atitude mental fortalece a mente e o físico. A espiritualidade em todas as suas dimensões contribui para uma melhor tolerância às agruras do tratamento. A prática de atividades físicas comprovadamente diminui a fadiga associada ao tratamento, e, que muitas vezes, compromete a capacidade de continuar um tratamento eficaz. Precisamos compreender melhor os mecanismos, mas acredito que a evolução da neurociência nos permitirá entender a máxima que, infelizmente, faz melhor sentido em inglês: ‘Not only mind over matter: mind matters'”.
A medicina anda na pressão?
“As demandas aumentaram muito nos últimos anos. Faz parte da natureza de ser médico a busca pelas certezas absolutas, a preocupação contínua em não errar nunca, a procura do conhecimento mais atual e relevante para os nossos pacientes. Frequentemente, somos vítimas da nossa vaidade em querer ser os melhores profissionais e ser requisitados em cursos e palestras para demonstrar o nosso conhecimento. Os pacientes – e não poderia ser diferente – demandam cada vez mais. E agora, munidos da tecnologia moderna, nos invadem com os celulares, emails, whatsapps, exigindo as respostas instantâneas. Quando não as obtêm, revidam com os famigerados ??? (sinais de interrogação) na mensagem seguinte. A burocracia dos planos de saúde nos afronta diariamente e o momento atual do país aumenta a nossa desesperança diante de uma população empobrecida. Infelizmente, vai piorar nos próximos anos.
Nos Estados Unidos o índice de suicídios entre médicos é alto – existem diferenças pontuais entre a vida dos brasileiros e dos americanos, no que diz respeito à essa área?
“A primeira distinção entre os americanos e nós, brasileiros, é que não possuímos no Brasil dados confiáveis. Os diversos estudos apontam que cerca de 400 médicos cometem suicídio todos os anos, nos EUA. Mas a fragilidade atinge também os estudantes de medicina, que anteveem dificuldades que parecem ser intransponíveis na carreira que se apresenta. Desconheço pesquisas que apontem a incidência do fenômeno de burnout em profissionais brasileiros. Acredito que o preconceito e o medo de demonstrar fragilidade contribuam para o desconhecimento do quadro e ameaçam as nossas vidas.
Muitos dos fenômenos que podem precipitar a perda do sentido da vida são semelhantes:1) Aumento das demandas burocráticas; 2)Horas excessivas de trabalho; 3)Preocupações com a remuneração necessária para uma vida confortável; 4) Voracidade dos grandes conglomerados do mercado da saúde e o desaparecimento progressivo do status de profissional liberal; 5) A limitação em se manter atualizado diante da avalanche dos avanços da medicina; 6) A crise econômica e o comprometimento de um ambiente saudável no trabalho. Para o oncologista, em particular, a chamada ‘fadiga da empatia’ – oposição à morte, decisões difíceis sobre os tratamentos e conflitos familiares – tornam o quadro ainda mais complexo. Todos esses aspectos são comuns aos médicos americanos e brasileiros. Precisamos ter coragem e instrumentos para enfrentá-los. A meditação constitui uma prática valiosa”.
Com uma carreira em que você se depara com casos tão doloridos, sendo oncologista, a meditação pode ser uma saída para desestressar?
“Como mencionei, comecei a prática da meditação agora. Os estudos científicos que comprovam os efeitos da meditação no controle da angústia estão muito bem documentados. Diversas universidades nos EUA já iniciaram programas de meditação para oncologistas. A meditação cria um espaço no nosso dia para nos dedicar a nós mesmos. Um momento único, no qual as exigências do dia a dia são colocadas de lado e nos voltamos para a pacificação dos nossos sentidos. Tenho certeza que estou me aprimorando como profissional e expandindo a minha humanidade”.