Elizabeth de Portzamparc tem um sobrenome de peso para a arquitetura, o do marido, o francês Christian de Portzamparc (que venceu o Prêmio Pritzker, em 1994; no Rio, é autor do projeto da Cidade das Artes, na Barra), mas é uma mulher de talento e vida próprios. A carioca integra o Comitê de Honra e vai ser uma das porta-vozes do 27° Congresso Internacional de Arquitetura (UIA 2020), ligado à UNESCO, que acontece em julho no Rio, trazendo 15 mil profissionais e estudantes da área.
É, também, um nome à frente de projetos grandiosos, além de vencedora de muitos prêmios internacionais, como o Future Heritage Award, em 2016; tem duas medalhas do Senado francês pela carreira, além de membro do Conselho Científico do Atelier International du Grand Paris.
Entre os seus trabalhos, estão Musée de la Romanité, na cidade de Nîmes, no Sul da França, inaugurado em 2018, uma construção revestida por mosaicos de vidro, num diálogo com mais de 20 séculos de História com as antigas arenas romanas que ficam próximos ao prédio, que tem 9.100 metros quadrados; a Torre Taichung Intelligence Operation Center, em Taiwan, com 262 metros de altura e 89 mil metros quadrados, projeto vencedor em 2017; a Cidade da Ciência, em Xangai, na China, com área de 120 mil metros quadrados; a Grande Biblioteca do Campus Condorcet, em Aubervilliers, Paris, que será o maior centro de documentação europeu em Ciências Humanas e Sociais, com 45 bibliotecas especializadas, com entrega prevista para 2020.
Nessa sexta (07/02), ela se reuniu com Fábio Szwarcwald, novo diretor do MAM, sobre os detalhes de uma exposição: “Um formato inédito. A ideia é que o percurso do visitante seja uma verdadeira experiência espacial, com uso de muito audiovisual e realidade virtual”, adianta ela.
A arquiteta e urbanista trocou o Rio por Paris há quase cinco décadas, quando abandonou o curso de Sociologia na PUC e se inscreveu na Sorbonne. Conheceu Christian, com quem é casada há 38 anos, e teve dois filhos, Serge (que mora na França) e Philippe (em Minas), de 37 e 33 anos, e avó de Joaquim, 7, e Lino, de 2 anos.
Embora viaje muito pelos países onde mantém grandes projetos, a vinda ao Brasil é certa, de três a quatro vezes por ano, tanto pelo trabalho quanto pelo afeto. A arquiteta tem um apartamento na Urca e brevemente vai construir uma casa no bairro. Em estadas na cidade carioca, é sempre convidada para palestras, como na última quinta (06/02), quando lotou o auditório do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), no Flamengo, para falar sobre “Nova Arquitetura, Nova Visão de Mundo”.
O Rio continua lindo? Quando está na cidade, o que mais gosta de fazer?
Venho duas, três vezes por ano. Já aconteceu de eu vir sete vezes; depende dos compromissos. Continua lindo, sim, sobretudo quando o sol aparece. Eu estava no MAM (na sexta), vendo aquele jardim maravilhoso do Burle Marx e admirando aquela vista da baía. Gosto de visitar os museus, as galerias, mas o melhor é rever os amigos e a família, mesmo porque as praias do Rio estão impraticáveis para banho.
Não só a água do mar…
Então, sobre a água, falei exatamente isso na palestra (no IAB). Contei uma história muito conhecida nos Estados Unidos sobre uma sueca que viu o estado da água em sua cidade, há uns 30 anos. Juntou um grupo de moradores e começaram a boicotar a água. Com isso, conseguiram recuperar o gerenciamento e a produção, porque o serviço era de péssima qualidade. Ou seja, eles não ficaram impassíveis e reagiram.
Você teria uma sugestão aos cariocas?
Tem que fazer uma tomada de consciência em vários âmbitos. Pela falência do governo, muitos coletivos têm feito muita coisa bacana no País. Nesse ponto, o Brasil é exemplar, das ações coletivas em relação a comunidades pobres, artistas que emprestam nome e rosto para campanhas. Tem a coreógrafa Lia Rodrigues, que atua na Favela da Maré (Centro de Artes da Maré), tanta coisa… Eu fico ligada no mundo, mas, com o Brasil, eu tenho um carinho especial.
Mas não é um choque cultural e arquitetônico chegar ao Brasil?
Não, estou habituada. Para mim, o mais difícil é ir embora do Rio. E é engraçado que, na França, é igual: tem que me arrancar de lá.
E as expectativas e novidades para o UIA 2020?
Vamos nos reunir em Paris, no dia 18 de fevereiro, para organizar tudo. Vai estar todo o UIA internacional lá. Vamos marcar outra conversa para te dar notícias frescas. E vou fazer uma exposição no MAM.
E como vai ser?
Vai acontecer num espaço de 450 metros quadrados, a partir de junho até setembro, acompanhando o UIA. Vai ser uma exposição num estilo que nunca foi feito no mundo. O artista carioca Roberto Cabot está concebendo todo o audiovisual para que todo o espaço se torne o próprio projeto, com interação total do público. A realidade virtual vai levar o visitante, em tempo real, para os meus projetos, como o do Musée de la Romanité, em Nîmes, para a Grande Biblioteca do Campus Condorcet, para a torre que estou fazendo em Taiwan, que é como se fosse um bairro vertical, a cidade das ciências em Zhangjiang, Xangai, coração do chamado Vale do Silício chinês, entre outros; enfim, vai ser muito bacana a pessoa poder atravessar o Atlântico sem sair do Rio. E também vou fazer uma maquete de 3 metros de altura dessa torre e colocar um personagem embaixo para as pessoas sentirem a diferença de escala.
Seu pai era mineiro de Belo Horizonte. Algo de lá marcou seus passos profissionais?
Claro! Todos os batizados e casamentos da família eram no Iate Clube da Pampulha – Projetado por Oscar Niemeyer (1906-2012), com jardins de Burle Marx (1909-1994) e obras de Cândido Portinari (1903-1962). Sempre íamos à Igreja da Pampulha (também de Niemeyer), e meu pai me mostrava todos os detalhes, comentando sobre esse gênio. E nossas férias frequentes eram em Diamantina, uma das cidades mais lindas do mundo.
E a casa na Urca, sai ou não sai?
Tenho um apartamento enquanto espero o processo de aprovação da Prefeitura. Como sou paciente, espero há 16 anos — comprei um terreno e queria o segundo para fazer uma casa maior, mas estava em inventário e, cada vez que o documento ficava pronto, morria mais um da família e começava tudo de novo. Comprei o segundo há 2 anos; agora, a aprovação para a construção deve sair em um mês. Essa casa tem uma particularidade: todos os jardins dialogam com o lugar de maneira total e vou reconstituir a flora natural antiga da pedra que fica atrás da casa.
O que é pior e o melhor do Rio?
Pior é a desigualdade social. É insuportável ver a miséria tanto aqui como no mundo todo. Mas esse é o problema nº 1 do Rio e, claro, tem esse problema atual da água. Isso é um gerenciamento indiferente e irresponsável do poder público. Não se faz isso com a Saúde pública. O melhor são os amigos e a beleza natural da cidade.
Você costuma dar um toque brasileiro nos seus projetos?
É difícil dizer o que tem de brasileiro no meu trabalho. Claro que todos os primeiros anos de vida nos marcam muito, então existem várias características herdadas do Brasil, de vários conceitos, porque a arquitetura brasileira é marcante. Cito o aspecto social de Lina Bo Bardi (1914-1992), que me marcou muito, o aspecto regional e visionário de Sérgio Bernardes (1944-2007), de integrar a realidade econômica e social em sua reflexão — o engraçado é que eu era amiga da sobrinha dele e, há uns 15 anos, recebi uma medalha no Rio e, para minha grande surpresa, foi ele quem me entregou.
Se 30% da poluição vem da construção, como você vê o futuro da arquitetura aliado à sustentabilidade?
Este problema é complexo e mereceria uma resposta detalhada. Mas resumindo: existem várias experimentações nesse sentido. As construções tradicionais com materiais locais poluem pouco. Reconhecer o valor e interesse do conhecimento ancestral e adaptá-lo às necessidades contemporâneas é um dos caminhos. Existem várias experiências de técnicas e materiais construtivos novos: estruturas, fachadas e acabamentos de madeira, tijolos de concreto e chanvre, várias técnicas de reciclagem dos edifícios e materiais existentes etc. No congresso da UIA 2020, em julho, vamos ter mesas-redondas e palestras sobre esse assunto, onde poderemos obter respostas interessantes e descobrir novas técnicas fabulosas.
Como é a vida de uma arquiteta casada com um arquiteto?
É uma paixão construtiva.
numero:13 Uma saudade, um prazer, uma cidade, uma paixão!
Saudade da tranquilidade prazerosa do Rio da minha adolescência; prazer, a confiança na juventude atual de (re)construir nosso mundo; uma cidade, Hannah City, a capital de Chandrilah, o planeta ecológico paradisíaco do filme “Guerra nas Estrelas”. Uma paixão? Uma só? Impossível!
Próximos passos?
Depois do Rio, vou levar essa mostra para o Londres Design Museum, em março de 2021, e para a Galeria Aedes de Berlim, em junho de 2021, e depois para Xangai. No dia 27 de fevereiro, vou fazer uma palestra em Bristol, Inglaterra, sobre a torre-bairro em Taiwan. Em maio, vou estar com uma exposição na Bienal de Arquitetura de Veneza, depois MAM.
Confira na galeria, alguns projetos de Elizabeth: