Quem pensa que o merchandising na música brasileira é coisa de Jorge Ben na ótima “W Brasil” está muito enganado.
Talvez tudo tenha começado com Caetano, que, em “Alegria, alegria”, cantava: “Eu tomo uma Coca Cola / Ela pensa em casamento”. O refrigerante voltaria ao cardápio (“Você traz a Coca-Cola / Eu tomo”), agora acompanhado de um adoçante (“Traz meu café com Suita / eu tomo / Bota a sobremesa / Eu como”). Tim Maia prosseguiria, reforçando as calorias: “Tomo Guaraná / Suco de caju / Goiabada para sobremesa”.
Dietéticos e ansiolíticos estão na obra-prima de Suely Costa e Aldir Blanc, “Altos e baixos”, eternizada por Elis Regina: “Já vão tarde essas tardes e mais / Tuas aulas, meus táxis / Uísque, Dietil, Dienpax”.
Tom Jobim e Newton Mendonça fizeram propaganda de máquina fotográfica (“Fotografei você na minha Rolleyflex / Revelou-se a sua enorme ingratidão”). João Bosco e Aldir Blanc, de loja de departamentos (“Transparente / Feito bijuterias / Pelas vitrines / Das Slopper da alma”). Chico Buarque e Roberto Menescal, de jeans (“No Tocantins / O chefe dos parintintns / vidrou na minha calça Lee”).
Nenhum lobby, entretanto, foi mais forte que o da indústria automobilística. A Ford largou na frente, com “Meu Corcel cor de mel / Meu Mustang cor de sangue”, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, na voz do Simonal. Mas a Volkswagen disparou na frente. Não contente com o “Fuscão preto / Você é feito de aço”, de Jovecino Lopes e Atílio Versuti, emplacou ainda “Luz dos olhos”, do Nando Reis (“Pra eu te dar a mão nessa hora / Levar as malas pro Fusca lá fora) e “Minha Brasília amarela / Tá de portas abertas”, dos Mamonas.
Da mesma cor era o Camaro (“Agora eu fiquei doce / Igual caramelo / Tô tirando onda de Camaro amarelo”), sucesso de Munhoz e Mariano. E certamente era bicolor o carro do Camisa de Vênus: “Acabaram com o Simca Chambord / Acabaram com o Simca Chambord”).
Aí a Ford engatou merchãs mais discretos com Tavito e Zé Rodrix (“Onde eu possa compor muitos rocks “Rurais”) e Rita Lee e Roberto de Carvalho (“Vem “Ka” meu bem / me descola um carinho”). E a VW ultrapassou com “Fio Maravilha”, do Jorge Ben (“E novamente ele chegou / Com inspiração em “Gol”) e Caetano (“Então tá Kombi-nado / É quase nada / E tudo somente sexo e amizade”).
Se bem que esperta mesmo foi a Honda, que colocou a própria marca no título do clássico de Paulo Vanzolin…
A indústria tabagista, hoje impedida de fazer reclames, continua anunciando nas canções antigas. Como a que Chico Buarque escreveu para o musical “Os Saltimbancos Trapalhões”: “Tem de tudo nessa “Hollywood” / Vi um índio cheio de saúde”. Ou a do Guilherme Arantes: “Cheia de “Charm” / Um desejo enorme / De se aventurar”. A clássica do Sempre Livre: “Eu sou “Free” / Sempre “Free” / Eu sou “Free” demais”. E ainda Getúlio Cortes, na voz do Erasmo Carlos: “Se você quer brigar / E acha que com isso estou sofrendo / Se enganou, meu bem / Pode vir “Kent” que eu estou fervendo”.
A imprensa não ia ficar de fora. Erasmo Carlos cantou, em “Coqueiro verde”: “Mas eu vou me embora / Vou ler meu Pasquim”. O mesmo jornal foi lembrado por Paulo Diniz, em “Quero voltar pra Bahia”: “Via Intelsat eu mando / Notícias minhas para o Pasquim” (com a empresa de telecomunicações entrando como Pilatos no credo). Gilberto Gil veio “Na geleia geral brasileira / Que o Jornal do Brasil anuncia” e Jorge Ben informou que “Deu no New York Times”.
Aí Gabriel o Pensador botou banca com “Apenas me enquadro no sistema / Ser tapado é minha sina / Ser “Playboy” é o meu problema”, Gonzaguinha escreveu “Veja” bem / Nosso caso é uma porta entreaberta” e Renato Russo, “Você culpa seus pais por tudo / “Isto é” um absurdo”. Cazuza disse que era “Pr”O Dia” nascer feliz” e Caetano fechou a edição com “Luz do sol / que a “Folha” traga e traduz”.
Claro que há merchã — ou melhor, “brand dropping — mais sutil. Como o dos supermercados: Tito Madi com “Balanço ‘Zona Sul’”, Djavan, com “Triste baía / Da “Guanabara” e Caetano (de novo!), com “Alguma coisa está fora da ordem / Fora da nova ordem / “Mundial’”.
E das empresas de telefonia: Léo Magalhães, com “E toda vez que você me disser “Oi” / Eu vou responder só “Oi” / Com o meu peito gritando “Te amo”, Rita Lee e Roberto de Carvalho com “É ‘Claro” que a sorte / Também ajudou / Ultimamente / Um romance dura pouco” e Tom Jobim, com “Vivo” sonhando / Sonhando sem fim”.
Não, nem tudo isso é merchã. Mas podia ser. Vá saber.
Ilustração acima: Diocélio Goulart