A produtora Aniela Jordan passou pela pandemia praticamente ilesa. Foi uma das poucas do setor cultural que manteve a rotina — pela sua, produtora Aventura, está retornando aos musicais infantis, além das agendas de dois teatros que administra lotadas até o fim do ano e com mais de 10 projetos para 2022.Cultura que vem de berço, digamos assim: Aniela é filha da socialite Josefina Jordan (segundo consta, uma representação da elegância e autora do guia “Addresses Rio”) e do banqueiro Henryk Spitzman Jordan. É também irmã da bailarina Dalal Achcar. A família achou que ela escolheria a área de exatas quando cursou Matemática na PUC-Rio. Zero chance. Formou-se em Administração, mas nunca ficou longe dos palco. Chegou a tentar essa carreira, mas se achou mesmo foi por trás das cortinas.
A frustração aconteceu quando foi escalada para interpretar uma árvore em “A Floresta Amazônica”, dirigida por Dalal no Municipal. “Cheguei à conclusão de que, se minha própria irmã me colocou de árvore, esse não era meu futuro”, diz. E não era. Começou a acompanhar as produções no Municipal (de onde Dalal foi presidente duas vezes), virou iluminadora e ficou por ali 20 anos, subindo todos os degraus da escadinha até ser diretora de produção. Em 2003, saiu para abrir sua primeira produtora musical; nunca mais parou. Há 15 anos, é diretora artística da Aventura Teatros — que tem Luiz Calainho na direção de negócios —, presidente do Instituto Evóe, que faz a gestão dos teatros Riachuelo e Prudential (ela se diz viciada em reformar teatros já que, antes desses dois, reformou a Cidade das Artes, o Imperator e o Oi Casa Grande), além dos projetos sociais Experimentos Artísticos e Cia. Teatro Transforma.
Seus teatros reabriram há um ano, com as precauções e poucas produções. Sobrou tempo, muito, para as invenções de Aniela: uma delas é o retorno da Aventura ao mundo infantil, com o musical “Zaquim”, criado e produzido por ela, com direção de Duda Maia, em cartaz no teatro Prudential, de 8 a 31 de outubro – com sessão especial no dia 12 e 15, Dia das Crianças e dos Professores.
[top5] numero:1 [f] titulo: Como você começou?
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desc: Sempre gostei dos bastidores — comecei a fazer de tudo, desde intérprete até iluminação de cena. Não existia essa profissão no Brasil, e eu só trabalhava com homens, uma equipe de eletricistas, que fazia de tudo para me boicotar. Imagina uma garota dando ordens? E foi assim que conheci o Peter Gasper (referência na iluminação). Ele me adotou e me carregou para todas as produções — Rock in Rio, montagem de shows internacionais etc. —, até que me pôs como estagiária na Discoteca do Chacrinha. Foi o máximo. Daí que a Dalal me levou para o Municipal e fiz uma carreira de 20 anos por lá — fui chefe de palco, coordenadora de palco, diretora técnica até diretora de produção, quando montei o departamento de produção do teatro. [/top5]
[top5] numero:2 [f] titulo: Qual a importância do Municipal pra você? [f]
desc: Tudo que sei devo ao Municipal. Aprendi tudo num lugar que recebeu quase todas as óperas e balés internacionais. No mais, casei-me e tive minhas filhas (Alessandra, psicóloga, de 35 anos, e Giulia, advogada, de 30), trabalhando ali. Mas, também era cansativo, porque sempre chegava um novo governo querendo mudar tudo; a gente já conhecia a engrenagem. Durei por sete gestões. Pedi licença pouco antes dos 20 anos e abri uma empresa para trazer cias. de dança ao Brasil. No meio disso tudo, desisti da Matemática e me formei em Administração. Consegui trazer o balé da Ópera de Paris, de Tóquio, até que o dólar aumentou; tudo era um risco. Comecei a repensar e, nisso, a Dalal (em sua segunda gestão como presidente) me chamou de volta. Passei a morar no teatro e continuei com a empresa. [/top5]
[top5] numero:3 [f] titulo: Por que musicais agradam tanto? [f]
desc: Antigamente existia pouca gente ligada ao tema, mas hoje todo mundo quer produzir musical. Até mesmo antes da pandemia, já tinha virado filão porque brasileiro adora música e musicais são espetáculos que são teatro, música e dança e, por mais sério que seja, é entretenimento, diferente do que você sentar e assistir a uma peça- cabeça. Em 2012, começamos a perceber que o Brasil já tinha artistas, técnicos, produtores que já sabiam fazer musical e começamos a investir mais em coisas brasileiras do que continuar trazendo de fora. Fizemos “Rock in Rio”, reabri a Cidade das Artes (Barra) e só musicais brasileiros, convidando pessoas de fora do meio para dirigir e quebrar essa fórmula americana — em “Elis”, convidei Denis Carvalho; em “Chacrinha”, chamei Andrucha Waddington, e assim vai. Até hoje, continuamos nessa toada, e o público se identifica muito com isso. Continuo adorando os espetáculos da Broadway. Vou para NY e assisto 12 em 10 dias, mas eu acho que é um estilo para lá e aqui podemos fazer o nosso. [/top5]
[top5] numero:4 [f] titulo: A pandemia fez repensar seu jeito de trabalho? [f]
desc: Não. Na verdade, a pandemia instaurou o Zoom, que eu não gosto, mas virou um modo de trabalho. Ele otimizou, ou seja, não precisamos mais ir a SP fazer reunião. E acho que a experiência do teatro é inigualável no presencial. O streaming incrementou muito, mas nada vai substituir a emoção do presencial. As pessoas estão cansadas de lives e Zooms. Nos primeiros três meses de pandemia, achamos que fosse passar. Quando percebemos que o negócio seria difícil, o trabalho diminuiu e um tempinho depois eu comecei a trabalhar para quando tudo reabrisse. Tanto que reabrimos o Riachuelo e Prudential em outubro passado, contratamos infectologista. Tem dado tudo certo. [/top5]
[top5] numero:5 [f] titulo: Teve que demitir pessoal? [f]
desc: Tenho uns 35 funcionários na empresa e mais ou menos 50 nos teatros. Tive que demitir 20, mas já os recontratei e, mesmo assim, nos primeiros três meses de pandemia demos auxílio. Nesses quase dois anos, a classe artística e afins sofreram muito e só os contratados pela Rede Globo estavam bem. Eu faço parte da Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR) e nos mexemos para ajudar, porque foi de dar dó. Quem conseguiu manter o pescoço fora d ́água foi muito sortudo. Fizemos um trabalho pra conseguir não fechar. [/top5]
[top5] numero:6 [f] titulo: Nesse tempo de profissão, qual a coisa mais difícil na cultura carioca? [f]
desc: O mais difícil na cultura carioca é trazer o público que não frequenta teatro. Isso é uma batalha porque os jovens não frequentam teatro, a não ser que tenham nascido no meio ou recebam o estímulo dos pais. Acredito que tenha que educar as crianças pra isso, ainda mais hoje em dia, que é só sentar no sofá, ligar um streaming e pronto. Livros então, é uma tragédia…. A gente está num mundo muito complicado, e eu fico me perguntando que mundo meus netos vão encontrar. [/top5]
[top5] numero:7 [f] titulo: Acreditava que o pior de tudo era conseguir patrocínio… Existe uma fórmula para dar certo? [f]
desc: Em musicais, não existe a menor condição de abrir o pano se não tiver patrocínio. Impossível. É difícil, e não estamos num bom momento, mas a gente já tem uma trajetória grande; então é menos difícil do que pra quem está começando. A fórmula é entender o momento, o que agrada agora. É abrir a cabeça e mudar. Se você ficar na mesma, vai apodrecer. [/top5]
[top5] numero:8 [f] titulo: Como você está sentindo a retomada do teatro? Até quando vão os protocolos? [f]
desc: Ainda com dificuldade, mas muita gente está querendo voltar. São Paulo já está com vários espetáculos em cartaz, mas, no Rio, está mais complicado e lento. No primeiro dia em que reabri o Prudential ao ar livre (a inversão do palco para uma parte externa foi ideia dela), fiquei na dúvida se apareceria alguém. Uma hora antes do espetáculo, começaram a chegar os velhinhos das vans. Quando vi isso, tinha certeza de que daria certo. Claro que tivemos o maior trabalho por causa de todos os protocolos, além de dobrarmos as pessoas para atender o público e “vigiar” se estão de máscara etc., deu certo. Quando o Eduardo Paes liberar os 100%, vai lotar tudo. Obviamente que álcool em gel e máscaras vão permanecer. O prefeito falou que vai ter carnaval… Espero que, em janeiro, tenhamos 100% da plateia. Até o fim do ano, quase não temos um dia vago porque a gente também aluga para orquestra, gravação, para alguma marca ou evento, e isso é maravilhoso. Para 2022, por exemplo, já estamos com 10 produções. [/top5]
[top5] numero:9 [f] titulo: E a ideia de “Zaquim”? [f]
desc: Quando meu neto Thomaz Zazu tinha 2 anos, ele adorava assistir à palavra cantada, os grupos que cantam e contam histórias, e tentava trazer para o Rio porque eram todos de São Paulo. Mas eu tenho teatro. Por que não montar aqui? Liguei para o diretor Felipe Habib e descobri que o filho dele, Joaquim, nasceu no mesmo dia, na mesma maternidade e com a mesma médica que o meu neto. Assim nasceu Zaquin (Zazu + Joaquim). Chamei o pai do meu neto, Gabriel Pardal, para fazer a dramaturgia, a atriz Marina Palha e Duda Maia para dirigir. Começamos a pensar o musical em 2019, mas veio a pandemia. [/top5]
[top5] numero:10 [f] titulo: É exclusivamente infantil? [f]
desc: A Duda é surpreendente e ela faz um teatro diferente do tradicional. A escolha dos atores foi através de recomendação e depois workshop. Eles fazem de tudo: dançam, tocam e trocam todos os instrumentos e compõem, ou seja, as músicas foram uma criação coletiva. É um trabalho primoroso, sensível, poético, que fala da diversidade sem ser explicitamente, temos um elenco misto, com três brancos e três pretos, é tudo na poesia. É um trabalho para a família inteira. Não é um musical que fala de bichinho, de princesinha, são temas. Ficou tão legal, que veio a ideia de montar uma companhia de teatro musical para crianças porque isso não existe e essa nova geração é muito talentosa. [/top5]
[top5] numero:11 [f] titulo: E para 2022? [f]
desc: Vamos retomar o “Seu Neyla”, comédia musical de Ney Latorraca, escrita por Heloísa Périssé, em abril, no Riachuelo; votamos com “Elis” depois de oito anos, no segundo semestre do ano que bem; tem “Isolda.Tristão”, uma ópera que vamos levar só pra SP, uma releitura feminista de Tristão e Isolda, em que o mais importante são as mulheres; “Vozes negras”, que faz homenagem a mulheres pretas de todos os gêneros musicais. Descobri que não gosto e nem consigo fazer nada pequeno. Se for algo mais ou menos, melhor não fazer. Sou perfeccionista – aprendi isso com minha mãe e a Dalal. [/top5]