De alguns anos para cá, algumas marcas vêm buscando a moda solidária, que se preocupa com as pessoas que confeccionam as peças. Para a joalheira carioca Tereza Xavier, essa sempre foi uma postura natural, desde que abriu sua loja, no Copacabana Palace, há 21 anos.
Ela criou, instintivamente, a eco-joalheria, integrando a arte indígena com pedras preciosas, diamantes e metais, gerando recursos para as mulheres índias e também para artesãs de vários pontos do país. Tereza recebeu o Oscar das joias, da De Beers, entre outros prêmios, e algumas de suas criações estão no acervo do Museu do Ouro, na África do Sul. Também já teve o reconhecimento de vários artistas que compraram seus trabalhos: de Sting a Madonna, de Michael Jackson a Justin Bieber – é grande a lista dos que não resistiram à beleza das suas coleções.
Foi pioneira, no Rio, em aproveitar seus lançamentos para chamar atenção para uma causa. O primeiro desfile, no Jardim Zoológico, sugeria a empresas a “adoção” de animais. Em Paris, no Carrossel do Louvre, alertou sobre a urgência da preservação das florestas com a coleção “O coração da floresta”. Louca por cães, a joalheira também lançou uma linha que estimulava a proteção de cães e gatos abandonados.
Com o irmão, Luiz Xavier, como sócio, a designer segue construindo, também, filigranas de relações de afeto. “Nosso trabalho é luxuosamente artesanal e envolve a força e o voo das nossas mãos, dos povos indígenas e de artesãs – somos hoje uma marca 100% feita no Brasil e ficamos felizes em colaborar para que muitas pessoas tenham melhores condições de vida”, conta.
Como começou sua aproximação com a cultura indígena? Você já pensava em buscar inspiração para seu trabalho quando fez as primeiras visitas às tribos?
“Minha aproximação com a cultura indígena começou muito cedo. Sempre me interessei pela arte indígena, pela espiritualidade, pela forma de se conectarem com Deus e pela maneira de se relacionarem com a natureza. Estudo metafísica desde os 17 anos e o xamanismo sempre me encantou. Estudei com xamãs nos quatro cantos do mundo.
Hoje a joalheria Tereza Xavier é parceira de 43 etnias no Brasil. Desde o início da marca, nos preocupamos com as pessoas que confeccionam as peças. Trabalhamos com o precioso, e o fator humano é também muito precioso; então, com relação aos povos indígenas e às artesãs brasileiras, fomos dando as mãos a cada grupo”.
Você compra apenas as matérias-primas ou os índios confeccionam parte das joias?
“Compro os trabalhos artesanais dos indígenas e os integro ao meu design. Busco sempre manter intacta essas características, que por si só são obras de arte. Os adereços indígenas são peças únicas.
Em 2015, estabeleci uma linda parceria com os xavantes na campanha ‘Um Natal na Floresta’. Como agradecimento, me presentearam com cestas de palha confeccionadas pelas mulheres da aldeia. A partir desse contato, desenvolvi a Coleção X, com colares, chokers, brincos e pulseiras. Os adornos dessa etnia são confeccionados pelos homens e então, como sempre trabalhei com as mulheres indígenas, resolvi envolver nessa coleção também as bolsas xavantes, que se converteram nas Bolsas Joia Vesica Piscis – elas têm a forma exata do Vesica Piscis, o receptáculo do peixe, padrão principal do símbolo Flor da Vida, emblema da Geometria Sagrada”.
Índios não são mais pessoas desconectadas da civilização. Eles negociam preços? Querem saber como vai ficar o produto final?
“Hoje ainda existem aldeias com pouco contato com as cidades e outras com restrita acessibilidade, em áreas de segurança nacional. Muitas têm a barreira da língua. Não negocio os preços. Os indígenas me dão o preço para cada peça, trata-se de arte e acredito que é o artista que atribui o preço para suas peças, sempre.
Muitos indígenas ficam curiosos sobre a peça final. E é sempre muito bom ver o olhar surpreso sobre os resultados da parceria”.
Alguma vez o choque de culturas gerou alguma situação engraçada?
“Nos Primeiros Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Palmas, no Tocantins, em 2015, encontrei meus amigos e parceiros da etnia kayapó e pedi para fazerem uma pintura no meu rosto, com urucum. Em seguida, me ligou um amigo da Inglaterra, fiquei conversando e me distraí, para descobrir, depois, que fizeram a pintura com jenipapo. Fiquei quase duas semanas com a pintura no rosto!
Quando recebi meu primeiro prêmio internacional, o DIA – De Beers Diamonds International Awards em 1998, o Oscar das joias, entrei em contato com a aldeia depois da premiação, para compartilhar com eles esse momento. Para minha surpresa, os indígenas estavam assistindo na televisão à transmissão de parte do desfile em Paris, que apresentava a pulseira que batizei de Talismã. Repleta de diamantes, a pulseira era usada por uma modelo russa belíssima, vestida com uma roupa de anjo incrível. Foi a integração de dois mundos, da floresta amazônica para a alta joalheria mundial”.
Quais são os materiais vindos da Amazônia que você incorporou ultimamente ao seu trabalho?
“Palhas indígenas sempre de diferentes maneiras, cocos, puro algodão, sementes diversas e mais materiais – surpresa!”.
Há dois anos, você fez um Natal para os índios xavantes, levando mais de 800 quilos de doações. Com a crise, vai ser possível repetir a experiência este ano?
“A campanha ‘Um Natal na Floresta’, na aldeia xavante, foi um sucesso. Compartilhei com os amigos pelas redes sociais e, em apenas 12 dias, recebemos quase uma tonelada de brinquedos e demais doações. A Gollog generosamente transportou tudo isso até Goiânia, de onde seguimos em uma longa viagem rumo à aldeia. Estamos, ainda, prospectando uma possível ação para o Natal deste ano”.
O que acha que aprendeu de mais valioso dessa convivência com os índios?
“Gosto sempre de citar uma frase de Darcy Ribeiro: “Eu devo aos índios, nos anos em que vivi entre eles, uma outra visão do mundo. Aprendi com eles, por exemplo, a percepção de que o importante no mundo é a beleza.”
Que fique claro, a beleza lato sensu, em todas as suas dimensões. E ainda, muito importante, a percepção de que a ecologia é o mais alto luxo. Não só a ecologia externa, mas muito mais ainda a interna, sem a qual não é possível nenhuma real transformação”.
Se pudesse, largaria tudo para viver numa tribo?
“Adoro visitar as tribos, fontes de inspiração e aprendizado, verdadeiros universos paralelos com relação à vida nas cidades. Mas não largaria tudo para viver em uma aldeia indígena. Sempre que posso, estou em contato com a natureza em várias partes do mundo, a natureza é a minha aldeia. Penso que, como artista, posso plantar pelo mundo sementes de um olhar amoroso e do profundo respeito pela natureza”.