Angelica De La Riva nasceu em Campos dos Goytacazes, Norte fluminense, mas logo o interior do Rio se tornou apenas uma referência familiar. Filha de brasileira com cubano, Angelica, que é dona de uma beleza indiscutível, estudou Direito, foi modelo e trabalhou com decoração, fotografia e design de joias, até se decidir por duas paixões: o canto lírico e o remo. Está em Nova York há 14 anos e sua estreia nos EUA foi no Lincoln Center, em 2007, como a primeira soprano brasileira a cantar nesse palco.
Este ano, direcionou sua agenda para apresentações no Brasil e América do Sul, para conciliar melhor seus treinos de remo: ela disputa uma vaga na Seleção para as Olimpíadas de 2016. Esta quinta-feira (23/07), faz o recital “De Paris a Andaluzia”, na Fundação Eva Klabin, acompanhada do pianista Orlando Alonso – os ingressos já estão esgotados. Domingo (26/07), Angelica encerra a programação artística do Festival do Vale do Café, cantando na Fazenda Secretário. Apesar da correria para cumprir tantas atividades, a cantora e atleta diz estar feliz: “Constantemente tenho a sensação de que o que estou fazendo é o que tenho que fazer”.
Você foi campeã brasileira de remo júnior na sua adolescência. Como o canto lírico entrou na sua vida?
“Música e esporte sempre fizeram parte da minha vida e acredito que tudo aconteceu naturalmente, principalmente pelo ambiente cultural e musical onde fui criada, pela influência dos meus pais e da escola onde estudei. Minha mãe e minha avó materna tocavam piano, meu pai tem uma voz nata privilegiada e sempre está cantando árias de óperas e canções. Sempre escutamos música tanto em casa quanto no carro todos os dias: Verdi, Puccini, Villa Lobos, Wagner e também muita música popular brasileira e cubana: Tom Jobim, Elis Regina, Bola de Nieve e Olga Guillot.
Desde pequena eu imitava todos os LPs e, com isso, meu pai identificou minha voz. Quanto ao remo, a culpa também foi dos gens!(rs) Meu avô paterno foi remador do Vedado Tennis Club, em Cuba, e meu pai em Yale, onde estudou. Assim que me mudei pro Rio, procurei algum esporte (que não fôsse simplesmente academia) e posso dizer que o remo “me escolheu”. Fui ao Botafogo a convite de uma amiga e, chegando lá, no primeiro dia, fiz uns testes e já fui recrutada pra equipe.
Está sendo uma experiência bastante intensa conciliar minha carreira na música com preparação para concertos, ensaios, gravações e viagens com os treinos. Quando aceitei o convite do Alexandre Monteiro, o Xoxo (meu técnico e técnico da Seleção Brasileira de remo), eu já sabia que isso seria parte do desafio.
O músico profissional é um atleta de elite, não há nada mais parecido com um atleta que um músico. A disciplina extrema e o perfeccionismo são algumas das condições primordiais e comuns às duas profissões. Ao mesmo tempo também se complementam: o remo aumenta minha capacidade respiratória, o que me ajuda com as frases longas no canto. O conceito do legatto do canto me ajuda a aperfeiçoar minha remada, com uma continuidade, sem interrupções. Existem alguns cuidados que devo ter para não comprometer minha voz, por exemplo: quando eu remava antes, se estivesse chovendo, frio, ventando, ou eu estivesse gripada, eu podia treinar. Agora eu tenho que ter um cuidado absoluto, porque eu não posso me resfriar. Se eu me resfrio, eu posso continuar treinando, mas se eu ficar rouca, eu não posso fazer os concertos”.
Você também já foi modelo da Ford. Até que ponto o remo colabora para moldar o corpo? Já passou a época em que as primas donnas eram gordinhas? A beleza física tem colaborado para você conseguir bons papéis líricos?
“O remo, junto com a natação, é o esporte mais completo que tem no sentido de utilizar todo o corpo. Remar esculpe de maneira longilínea e é um dos melhores exemplos de “mens sana in corpore sano”. Fiquei muito feliz quando voltei à sede de remo do Botafogo depois de 14 anos e vi tantos adolescentes com um foco, senso de liderança e consciência de trabalho de equipe, além de super saudáveis. Lembrei, automaticamente, porque me apaixonei de cara por esse esporte.
Existe, sim, uma demanda pela beleza física no mercado atual da música clássica, principalmente na ópera. Acredito que seja em função da busca de novos públicos e também pelas reproduções em HD nos cinemas. Mas acho o fim quando a qualidade musical de uma produção se compromete por elegerem, por exemplo, uma soprano magra com uma voz medíocre em lugar de uma soprano gordinha com uma voz muito superior. Obrigada pelo elogio! Vou te contar que o mundo da ópera está cheio de mulheres e homens lindos e com vozes incríveis. Manter-se nessa carreira requer, além de talento, muito trabalho, uma disciplina e dedicação contínuos e, com certeza, estar no lugar certo na hora certa”.
Como surgiu o convite para voltar a competir no remo e, ainda mais, por uma vaga na Seleção para as Olimpíadas de 2016? Em que mês será feito o teste final para saber se você vai defender as cores do Brasil?
“Essa oportunidade surgiu em função do meu passado como remadora e do cenário atual do remo feminino no Brasil, e isso aliado a muito trabalho me dá a esperança de conseguir a vaga. Temos uma grande atleta no remo brasileiro, a campeã do mundo na minha categoria, Fabiana Beltrame. A prova da Fabiana, o single skiff, não é uma prova olímpica. Para a categoria, o barco é um double skiff, então, a Fabiana Beltrame precisa de uma parceira. Se o meu técnico, Xoxo, acredita em mim, quem sou eu pra não acreditar. Se eu não conseguir chegar ao meu objetivo, eu só ganhei com a experiência.
Eu tenho a paz de espírito de saber que estou fazendo tudo o que posso fazer. É um desafio meu, comigo. A ideia não é provar alguma coisa para alguém, a ideia é me colocar à disposição do esporte, à disposição do meu país. O Pré-olímpico está agendado para novembro no Chile, mas em função dos vulcões estão tentando pospor para março de 2016″.
Em que consiste a sua rotina de treinamento de canto e esportes, nos EUA e aqui, no Rio?
“Em função de eu ter ficado muitos anos afastada do remo tenho um treinamento e uma preparação diferentes das outras remadoras da Seleção. Estou fazendo um trabalho paralelo, inicialmente pelo clube (Botafogo), sendo treinada pelo técnico da Seleção Brasileira de remo Alexandre Monteiro. Quando chegar o momento da seletiva interna para a disputa de vaga na qualificação continental, então me apresento.
Independente de onde eu esteja, mantenho uma rotina de dois ou três treinos (dependendo do dia da semana) e cinco horas dedicadas à música. Essa rotina se altera, caso eu tenha que viajar ou em dia de concerto, gravações ou ensaios mais longos. Basicamente acordo, tomo café da manhã, faço o primeiro treino/remo de 16km, faço a rotina de peso, almoço, descanso por 45m, estudo por duas horas. Volto pra água e faço mais 12 a 16 km. Volto pra casa e ensaio três horas. Outra refeição, e durmo. Tenho encontrado muita receptividade nos clubes que contactei fora do Brasil para eu poder treinar. Tem sido uma experiência incrível, as pessoas que conheço, os diferentes lagos onde remo”.
Como é a sua alimentação? Que dicas você daria para quem quer ter uma alimentação mais energética?
“Duas coisas mudaram minha vida: a primeira, um copo de água quente com limão siciliano em jejum e em todas as refeições (o limão é um bactericida natural e equilibra o PH do organismo, ajudando, assim, na eliminação de toxinas. A água quente ajuda na digestão). A outra coisa foi a eliminação de todos os alimentos que contêm glúten e lactose.
Normalmente, como de tudo e na quantidade que tenho vontade, inclusive carne vermelha. Mas há 15 anos evito ao máximo alimentos que tenham glúten e lactose. Não tenho alergia, mas meu corpo reage muito rápido e negativamente quando como, por exemplo, queijo ou trigo. Descobri isso através de um médico/clínico geral aqui no Rio, que também utiliza muito a nutrição como ferramenta de cura e a medicina chinesa com ervas e acupuntura. Quando conheci esse médico eu estava constantemente cansada, me resfriava com muita facilidade e tinha muitas inflamações no corpo (principalmente tendinites e amigdalites). Desde que eliminei glúten e lactose não só me sinto muito melhor, meu sistema imunológico muito mais forte, mas também meu corpo mudou completamente. Perdi 10 quilos em alguns meses e a forma do meu corpo mudou, pra melhor”.
Por que Carlos Gomes é seu compositor predileto?
“Carlos Gomes é com certeza um dos meus compositores favoritos. Ele estudou por muitos anos com Giuseppi Verdi no conservatório de Milão, aprendendo, assim, a compor para a voz como poucos, focalizando de uma maneira muito específica na expressão natural da voz. Além disso, os libretos das suas óperas são extremamente interessantes e apaixonantes. Sua capacidade de “pintar” a natureza de cada personagem, revelando-a na sua música, é de uma genialidade admirável. Agora em agosto tenho cinco concertos em São Paulo, em sua homenagem, a série “Carlos Gomes na voz de uma soprano”.
Como as plateias estrangeiras reagem a seus recitais?
“Cada plateia, em cada país, reage de maneira diferente aos concertos. Uns, mais eufóricos no fim de cada peça, outros, no final do recital ou concerto. Mas uma reação que todas as plateias têm em comum é a adoração pelos nossos compositores. Sempre que eu tenho a oportunidade de sugerir ou incluir peças de compositores brasileiros, o faço, e é sempre sucesso garantido!”
Você é muito patriota?
“Estou em Nova York há quase 14 anos, morei por curtos períodos em Paris e em Granada, na Espanha. Amo o Brasil e sinto muita falta de algumas coisas. Estou muito feliz com essa oportunidade que estou tendo agora, de poder estar mais próxima da minha família e dos meus amigos. Estou à disposição da vida, e pra onde ela me levar eu vou”.