Essa, a cultura carioca certamente vai adorar: o Teatro Leblon, sem programação em suas três salas desde 2017 (a Tônia Carrero foi fechada de vez em 2016, e as outras duas, Marília Pêra e Fernanda Montenegro, estavam disponíveis para aluguel), será reaberto nesta terça (07/06), como Teatro Petra Gold (Sala Marília Pêra), com a peça “O Escândalo Philippe Dussaert”, monólogo premiado de Marcos Caruso. Numa modernização relâmpago — em apenas três meses —, o espaço ganhou pintura nova, poltronas, fachada com TVs de Led, graças ao patrocínio do Grupo Petra Gold Serviços Financeiros, através do presidente Eduardo Wanderley e do ator e produtor André Junqueira, que propôs um modelo de ocupação aliando iniciativa privada, artistas e meios de comunicação — sem nem cheiro de dinheiro público.
A ideia é apresentar uma programação diversa, do horário nobre ao alternativo, o infantil e a criação do “Chá das cinco” – nas tardes dos fins de semana. “Poucas vezes se vê, entre empresários, quem descarte a isenção fiscal pelas leis de incentivo, tão discutida, e viabilize, com recursos próprios, tais projetos. Acredito que apoiar a cultura é investir nas pessoas”, diz Eduardo Wanderley. A programação já está fechada até novembro; dia 15 entra em cartaz “O Inoportuno”, de Harold Pinter, que garantiu a Daniel Dantas o Prêmio Cesgranrio de melhor ator no ano passado.
A coluna bateu um papo com o ator André Junqueira, atualmente no ar em “Verão 90”, na TV Globo, além de dentista de formação e de dar aula para alunos de Cinema na Estácio.
Como surgiu essa união entre você e o Grupo Petra Gold?
Quando estava procurando patrocínio para levar a peça “O Inoportuno” para São Paulo, mostrei o projeto ao empresário Eduardo Wanderley. Ele amou e resolveu apoiar. Eu já estava meio triste como produtor, porque fazer teatro é caro: um aluguel de fim de semana de uma sala chega a R$ 15 mil, fora a logística toda. No meio disso tudo, fiquei sabendo que o dono do Teatro Leblon, o Wilson Rodriguez, queria vendê-lo; certamente viraria igreja, laboratório ou farmácia. Daí tudo se encaixou. Fizemos um contrato de quatro anos e, se tudo der certo, vamos renovar por muitos mais. O dia em que a Petra Gold parar de pagar os gastos, teremos que fechar.
E como foi a decisão de manter a Sala Marília Pêra?
Essa sala estava morrendo, e vamos dar vida novamente, fazendo uma (re) homenagem à Marília. Fui pedir autorização à família, conversei com a Esperança (Motta, filha de Marília com Nelson Motta), e ela ficou superemocionada, não só por salvarmos a sala, como também manter o nome da mãe. Falei com a Sandra Pêra, irmã; aí ela desejou muita “merda”, ficou empolgada e gravou um vídeo falando do apoio.
Qual o maior desafio em fazer teatro no Brasil?
Tem muitas salas fechando e outras reabrindo com novos nomes. Alguns artistas torcem um pouco o nariz em divulgar esses “patrocinadores”, que conseguiram a verba através de Lei de Incentivo, sendo que a empresa mesmo não gastou nada, usando o dinheiro que era do governo, que teoricamente é nosso. No caso do Petra Gold, é dinheiro de marketing que o Eduardo tirou da empesa dele, nada incentivado; ele está fazendo uma boa ação para a cultura. Quando eu falo isso, as pessoas ficam admiradas. Que eu sabia, no Brasil não existe um modelo como esse.
E a escolha das peças?
Há uns dois anos, o Marcos Caruso tentou salvar o Teatro Leblon junto com Mateus Solano, entrando em cartaz com a peça “O Escândalo Philippe Dussaert” e “Selfie”, sem cobrar cachê, para tentar salvar as salas. Logo pensei em reeditar essa tentativa, agora com a garantia de patrocínio. Eu ia dar força a um movimento que ele tinha começado e que não deu certo. Vamos inaugurar o “Chá das cinco” com “A Casa do Rio Vermelho”, peça que fala sobre a Zélia Gattai, um sucesso em Salvador. Estamos selecionando, por exemplo, muita coisa de São Paulo.
Você enxerga uma luz na cultura?
As pessoas estão reclamando da cultura, do mercado, da falta de patrocínio, mas não está fácil pra ninguém, seja dentista, médico, advogado ou artista. O que eu faço todos os dias é acordar e falar: o que eu posso fazer hoje para o meu dia ser diferente? Não adianta ficar reclamando. Eu fui contra a correnteza — se os teatros estão fechando, vou abrir um; não tem dinheiro, vamos arrumar. O mundo não vai girar em torno de você.
Por que se meter nessa?
Por prazer e ideologia. Financeiramente, não precisaria, mas se eu faço meu dia melhor, começo a fazer o da outra pessoa também e, se alguém entende isso, já é uma experiência transformadora. Eu poderia estar em casa, jogando vôlei, tendo tranquilidade na vida, mas não consigo ficar parado. É de um prazer tão grande entrar naquele teatro, empregar 12 pessoas e ver os olhos de todos brilhando…
O maior desafio?
Está tudo muito lindo, teatro renovado peças ótimas, mas, hoje em dia, não temos público — as pessoas deixaram de acreditar que é necessário pagar para assistir a uma peça. Existem muitos projetos sociais que distribuem ingressos, mas isso se tornou um câncer para o artista. Cansei de ver senhoras da Zona Sul pedindo ingressos sociais.
E qual a alternativa?
Não vamos aceitar exatamente ONGs, mas distribuir ingressos em comunidades. Em todo teatro, existe o ingresso social, a R$ 20. Acredito que isso seja necessário para encher as salas, mas não é uma obrigação do teatro, e sim do governo. Só que o governo não vai fazer. Tem muita gente do Leblon que compra esse bilhete, mas não sabe que, quando o ator volta ao camarim, recebe uma ligação do filho que teve que cancelar a faculdade por falta de pagamento; e que esse ator responde que nem dinheiro ele tem para voltar para casa. Então vou fazer uns vídeos curtos e exibir antes das peças para incomodar essas pessoas. O público precisa entender que o teatro gera emprego, é uma ferramenta de trabalho direto e indireto, além da cultura. Não é um favor ir ao teatro, é uma grande permuta.