Se você tem — ou acha que tem — um relacionamento ótimo, essa entrevista pode até fazer você repensar (rsrsrs). Casados desde 2017 (em cerimônia intimista na Toscana, Itália), mas juntos há quase 10 anos, Edson Celulari e Karin Roepke formam aquele tipo de casal que leva a sério os ritos do altar: “Na alegria e na tristeza, riqueza ou na pobreza, na saúde e na doença…”.
E veio a pandemia, momento dramático na vida de vários casais — com inúmeros testes diários, o que aproximou alguns e separou muitos. Segundo o Colégio Notarial do Brasil — Conselho Federal (CNB/CF), os divórcios aumentaram em 15% no ano passado, se comparado a 2019.
No entanto, Edson e Karin fazem parte de outra estatística, a dos 100% amor. A quarentena só os aproximou, tanto no físico como no jurídico, já que, depois de longos meses, nasceu uma dupla de produtores (ainda sem nome e sem registro), com um filme em pós-produção, o primeiro longa dirigido por Edson, tendo Karin como protagonista, também sem nome, além de muitos planos.
O casal trabalhou junto em dois curtas: “Europa”, com direção de Celulari e roteiro do espanhol Jose Manoel Carrasco, em par romântico; e “Cinzas”, dirigido também por Edson e vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Dada Saheb Phalke Film Festival, na Índia, e Melhor Direção no City Blue Film Awards, na Espanha. Em 2019, ele fez um curso de Direção de Cinema, na New York Film Academy, em NY; e ela, um curso de cinema em Madri, Espanha. Enfim, os desejos de ambos se completam, além dos lençóis de infinitos fios.
Eles se conheceram em 2009, nos bastidores do musical “Hairspray”, dirigido por Miguel Falabella, mas o namoro só começou dois anos depois, quando Edson prestou atenção no que tinha diante de si, digamos assim.
Como tudo começou entre vocês? Lembram o dia em que se viram pela primeira vez?
Edson: Conheci a Karin no musical “Hairspray”. Nos ensaios, ela era uma moça muito concentrada, talentosa, dedicada ao trabalho, séria. Ensaiamos, estreamos, fizemos temporada Rio-SP, e eu a enxergava como uma colega de trabalho. O projeto terminou, encontrei a Karin tempos depois; ela continuava a ser a minha colega de profissão. Só que, durante a conversa num almoço, comecei a vê-la de uma forma diferente, como mulher. Existem muitas maneiras de você olhar e, a cada dia, vejo a Karin de uma forma diferente, e isso torna a relação muito mais mágica.
Karin: A diferença entre ver e enxergar tem que aparecer aqui. Eu sempre enxerguei o Edson como um grande artista e fiquei muito feliz quando trabalhamos juntos, mas eu não tinha dimensão de quem ele era, de verdade. Foi no nosso primeiro encontro que eu consegui, de fato, ver o Edson pela primeira vez: um homem sincero, profundo, com um olhar intenso e um sorriso sedutor. Aí, eu me apaixonei!
Vocês renderam muito na pandemia. Como rolou essa dinâmica?
Edson: Esse exercício é uma loucura. Primeiro, porque a gente encarou com seriedade a quarentena, deixávamos os funcionários em casa e cuidamos de tudo: Karin cozinhava, a gente lavava a louça e limpava a casa. A troca de funções durou por muitos meses. Também fizemos aulas online juntos, às vezes separados, mas sempre desenhando projetos de audiovisual para o futuro. Isso é uma coisa que nos une bastante, e a pandemia nos aproximou ainda mais nesse aspecto de nos tornarmos uma dupla de artistas e que podemos, sim, e devemos produzir nossas ideias e sonhos.
Karin: Nas tarefas de casa, nós dividíamos as funções: eu cozinhava, ele lavava a louça e por aí vai… Mezzo a mezzo! Conseguimos ir nos detalhes: jogar papel antigo fora, doar livros… Foi uma organização boa pra cabeça, também, ver o que queríamos que ficasse na nossa história e o que podíamos liberar.
Vocês levaram o isolamento a sério, até porque Edson venceu um linfoma em 2016. Ainda estão em total confinamento ou já deram uma relaxada?
Edson: Levamos a sério, claro, porque eu tenho esse histórico do linfoma e também pela questão da idade, 62 anos – sou grupo de risco. No Natal, conseguimos juntar as famílias depois de fazermos todos os exames. Foi um Natal presencial, mas à distância. No réveillon, também nos encontramos, tudo com bastante segurança. Foi muito saudável para nossas cabeças. A família da Karin veio de Brasília e tínhamos Enzo e Sophia (filhos de Edson do casamento com Claudia Raia), que vieram de São Paulo, além da minha mãe e irmã. Pelo menos, a gente pôde se olhar, mesmo sem abraço.
Karin: Ainda estamos levando a sério, não dá pra vacilar. Eu acho que a sensação de já ter vivido o medo da morte com esse linfoma nos dá um senso de autopreservação maior. O Enzo e a Sophia se adaptaram muito bem à nossa realidade: eles já entram em casa brincando “protocolos de segurançaaaa!”, e cumprem tudo certo! (Risos).
Uma dica de convivência para os casais, porque teve recorde de divórcios durante esse período…
Edson: A pandemia nos aproximou, sim, mas não existe fórmula, né? Acho que é preciso, numa relação em confinamento ou não, preservar a individualidade e reforçar os momentos divididos para manter o encantamento, a paixão, fazer surpresa um pro outro. Isso é básico da qualidade humana mesmo. Precisamos criar espaços para cada um existir individualmente com suas vontades, suas preferências, suas questões e, ao mesmo tempo, criar coisas em comum que os dois possam fazer e curtir. Às vezes, é mais simples do que imaginamos. Fomos duas vezes a um drive-in na pandemia. Foi muito divertido; não saímos do carro e levamos comida.
Karin: Eu tenho certeza que o confinamento nos uniu mais, justamente porque aprimoramos nossa paciência um com o outro, nossa escuta real e presente. Flexibilizamos as nossas expectativas de ter um parceiro perfeito – ele, mais do que nunca, viu meus defeitos e eu, os dele. Percebemos que poderíamos aprender a conviver com as “novidades”.
O que Karin mais admira no Edson, e o que Edson mais admira em Karin? São capazes de apontar alguma mania ou defeito um do outro?
Edson: o feminino dela me faz admirá-la. Ao mesmo tempo que ela é doce, é forte, plural, tem capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo e é muito coerente, determinada e concentrada. E a admirar como artista é fundamental. O defeito? Melhor não falar (risos). Peraí, vou dizer um: quando ela quer fazer alguma coisa, ninguém a faz mudar de ideia, mas não chega a ser um defeito.
Karin: Eu admiro a integridade do Edson, ele é um homem justo e verdadeiro, tem caráter e entusiasmo pela vida, é curioso, interessado, romântico… Vou parar, senão ele vai ficar convencido! (risos). Ele tem várias manias com que eu convivo numa boa, mas ele tem um defeito que me faz sofrer: a temperatura corporal dele é mais alta que a minha! (risos), então, ele sempre está com o ar-condicionado gelado, e eu morro de frio. Isso é um conflito com que temos que lidar diariamente.
Como separar o pessoal do profissional?
Edson: Filmamos o curta “Cinzas” em Los Angeles; foi a primeira vez que eu a dirigi. Ela é concentrada, disponível e foi uma delícia dirigi-la. Tivemos outras experiências depois, e acho que o segredo está na disponibilidade do ator, do diretor, do produtor… Todos trabalham num processo coletivo de criação. Não é uma voz de comando do tipo ‘faça isso’, mas ‘me dê o seu melhor’ dentro desse caminho e, nesse sentido, ela é disponível e concentrada. Estamos dividindo outras funções como produtores em vários momentos e, quando existe esse relaxamento, tudo vai ficando mais fácil. Então, nossas jornadas profissionais sempre foram saborosas, criativas e produtivas. Adoro trabalhar com ela.
Karin: Não sinto como um desafio, mas como uma adaptação. No set de filmagem, ele não é mais o “Galego”, esse é o apelido que nos chamamos. No trabalho, ele é o diretor que vai conduzir meu trabalho de atriz, para a verdade do personagem. A intimidade do casal é boa porque a gente consegue se comunicar pelos olhos, agiliza a comunicação. Como diretor, ele é generoso e “cirúrgico”, como dizem. Ele sabe conduzir os sentimentos porque é ator também, então usa as palavras precisas para atingir algum estado emocional específico. E, por entender tanto da alma humana, porque já interpretou várias, ele quer que o ator vá com precisão na cena, no movimento, repete quantas vezes for necessário.
Como surgiu a ideia do novo longa? Foi complicada a produção nestes tempos de pandemia?
Edson: tudo que envolve o longa ainda é segredo, mas posso dizer que é um suspense. Foi uma delícia fazer, mas muito trabalhoso para seguir todos os protocolos de segurança, com equipe reduzida. Estamos em pós-produção. Não existe título, só especulações.
Karin: Vocês podem esperar um filme instigante, a história não é o que parece ser. Ter vivido essa experiência artística de forma tão intensa foi muito especial. Nós, literalmente, nos isolamos com uma equipe pequena dividindo as funções; eu era atriz e produtora, por exemplo. Eu me senti abençoada em poder viver esse personagem e contar uma história em tempos tão turbulentos, foi um bálsamo para a alma.
O que acham sobre a falta de apoio geral à cultura?
Edson: tanto no Brasil como no mundo, obviamente sentimos muito, porque a pandemia nos retirou do coletivo. O nosso trabalho tem público, aglomeração – teatro, cinema, ópera, música, dança. Claro que existem países e países, e a nossa falta de visão e de apoio cultural já existia há muito tempo, mas se agravou na pandemia. O mais importante é que a gente resiste bravamente e somos criativos, somos feitos de resiliência, capacidade de se levantar. Precisamos estar conscientes, como nação, da importância da cultura para o desenvolvimento de uma população. Nenhum país desenvolvido tem uma cultura mais ou menos e todos se orgulham e valorizam demais. Isso ainda falta para o nosso país, mas a gente não desiste.
Karin: Em um momento da pandemia, todos percebemos que a arte salva – isso não é da boca pra fora. O ser humano entra em contato com a sua sensibilidade, com a humanidade; com a cultura, nos aproximamos da nossa verdade. Independentemente de apoio ou não, a arte vai sobreviver – já estamos presenciando isso.
Vocês têm outros planos?
Edson: Já somos uma produtora e quero poder fazer muitos projetos com a Karin. Essa é uma linda maneira de eu ser feliz, estando ao lado dela, trabalhando ou não.
Karin: Temos vários planos! Sonhos e planos não nos faltam. Acho que já temos uma produtora de sonhos! Uma coisa que a gente aprendeu é viver o presente: inteiros, porque neste momento, permanecermos vivos é o melhor plano podemos ter.