Ao contrário de alguns entrevistados que podem fazer-nos pensar no travesseiro, Nelson Freitas, passa energia e entusiasmo. É aquele perfil que está sempre a favor, a favor de tudo, se é que que vocês me entendem… Eike Nelson! Nelson Eike! Eike filme! Até 2020, depois de 19 anos nas telas da Globo, no humorístico “Zorra Total”, Nelson Freitas aceitou experimentar: fez cinco filmes, incluindo papéis de empresário corrupto, policial investigado, criou podcast (“Embaralha e dá de novo”), canal no YouTube e, agora, o papel-título de “Eike — Tudo ou nada”, filme de Andradina Azevedo e Dida Andrade, sobre a vida do famoso empresário, inspirado no livro da jornalista Malu Gaspar, o qual deve chegar aos cinemas ainda este ano.
O longa, gravado no ano passado, não tem pretensão de contar a trajetória inteira do ex-marido de Luma de Oliveira (mãe de seus filhos, Thor e Olin), interpretada por Carol Castro. Depois de acabadas as gravações, Nelson se mudou para Brisbane, no estado australiano de Queensland, em abril, com a mulher, a procurador da República Maria Cristina Cordeiro, com quem é casado há 20 anos. Ele vai ao país anualmente, há 15 anos, para visitar a enteada, Gabriela, e o neto, Felipe, hoje com 18 anos. A ideia é ficar por lá seis meses, para aprimorar o inglês, mais pela adaptação — seu perfil nas redes até mudou para “Nelson Freitas Brazilian Actor” —, ou seja, a estada pode ser mais longa.
O filme começa com Eike atento ao pré-sal, em 2006, até a prisão, em 2017, com algumas excentricidades do mineiro de Governador Valadares, que fez fortuna na exploração de mineração, petróleo, gás, energia, indústria naval e carvão mineral. Há 10 anos, por exemplo, ele estava no auge com suas empresas do grupo EBX, ocupando a 7ª posição da “Forbes”, com uma fortuna estimada em US$ 30 bilhões. À época, o brasileiro mais rico do mundo; só pra você comparar, Elon Musk tinha “apenas” US$ 2 bilhões e ocupava a 634ª (hoje, o 1º da lista, com US$ 219 bilhões ou R$ 1,021 trilhão).
Eike não conseguiu cumprir metas de produção e acabou preso pela Lava-Jato, acusado, entre outros crimes, de pagar propina milionária ao governador Sérgio Cabral. Aos 64 anos, Eike recorre em liberdade, depois da condenação na Justiça por crimes contra o mercado.
Como está sua vida na Austrália e como definiria o país se comparado ao Brasil?
A Austrália é um país gigante, tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Venho pra cá há uns 15 anos, porque minha filha resolveu morar aqui. Então, uma vez por ano, eu venho e já conheço bastante, temos um apartamento num bairro muito bacana (Hamilton, uma espécie de Leblon); a população é simpática, acolhedora, além de ser um país de 1º mundo, mas nos trópicos, o que é mais incomum. As coisas aqui funcionam, e isso é surpreendente para um brasileiro. A comparação é difícil, apesar de termos praticamente a mesma idade como nação — a história do Brasil começa em 1808, quando os portugueses estavam fugindo do primo (Napoleão Bonaparte), e a Austrália foi descoberta 30 anos antes pelo inglês James Cook. A diferença pode ter sido que um foi mais explorado e teve uma questão de colonização, de as pessoas virem aqui para morar, embora hoje tenha uma população pequena, de 24 milhões de habitantes, praticamente a população de São Paulo num território como o Brasil. Então, é mais fácil de controlar, de educar, de viver, as cidades são muito agradáveis, pouco povoadas, a não ser as grandes. Posso dizer que a Austrália está podendo me oferecer, aos quase 60 anos, um tempo para eu me dedicar aos estudos, viver mais tranquilo (risos) e estudar inglês. Um barato.
O que você tem descoberto sobre si que não sabia?
Primeiro, que eu não falo porcaria nenhuma de inglês. Quando entrei na sala de aula, percebi que eu não sei xongas, Jesus, Maria e José — Jesus, Mary and Joseph! É aquela frase do filósofo, “quanto mais eu aprendo, mais descubro que não sei nada”. É algo assim: “Só sei que nada sei”. Estudo três vezes por semana numa escola do governo que é sensacional — tem artes, culinária, línguas, o que quiser estudar, um campus genial. Eu estou encantado por poder frequentar esse ambiente de novo e multirracial, então a gente troca ideias. Quem sabe, no segundo semestre, eu ainda faça aula de teatro? Ai meu Deus! Aí começa uma outra loucura. É um ano de muitas descobertas de mim mesmo, e isso não tem preço.
Como é não ser reconhecido nas ruas?
Tem o seu valor, afinal, são 35 anos de carreira me expondo, me colocando num lugar de visibilidade. Em contrapartida, nunca tive problema com isso porque sempre me senti à vontade no contato com as pessoas, em ser reconhecido. Imagina: sou leonino com ascendente em Sagitário, sou exibido à beça. Mas tem o seu valor: a gente ter essa liberdade sem o peso de ser uma pessoa pública, essa privacidade preservada depois de tanto tempo é muito interessante, embora aqui, na Austrália, tenha uma comunidade brasileira muito grande. Então, vez ou outra, encontro pessoas que me reconhecem, fazem uma festa danada, elogiam meus vídeos no YouTube e é bacana quando isso acontece e a gente mata a saudade de ser uma pessoa pública.
O que é mais difícil na adaptação a um país diferente?
Embora more aqui, estou apenas a passeio, porque a vida do imigrante em qualquer lugar do mundo é sempre complicada. Você tem que se adaptar às regras vigentes, e aqui é muito “by the book” – o que não pode fazer, não pode fazer; não tem mais ou menos. Lembro que eu estava com meu neto há alguns anos e passei por um lugar que estava em construção. Eu queria muito parar para ver os detalhes da arquitetura. O Felipe falou: “Vô, você não pode estacionar aqui, tem uma linha amarela…”. Eu só dei uma paradinha, mas não pode… Olhei pra trás quase chorando (risos), mas ele estava certo. É simples: não pode, e não existe o jeitinho, o acordo, não tem isso de “vamos conversar”. Aqui, a direção do carro também é do lado direito, o que dá uma bagunçada na cabeça da gente, levamos uns sustos, temos uns microinfartos no coração, depois se acostuma. O sinal de trânsito também só fica verde ao se aproximar do sensor. Já fiquei horas parado no sinal, e ele não abria nunca. A gente vai vivenciando, experimentando coisas que são surpreendentes, gostosas ou não. E tem a questão do transporte que funciona muito bem aqui e é até gostoso andar de ônibus. Aqui, os pontos são todos cobertos, temos trens, ônibus e barcos. Temos 200 milhões de habitantes no Brasil, e sei que é complicado, mas existe um país gigante como o nosso não ter uma ligação de linhas férreas? Isso é sufocante para o desenvolvimento – é como um paciente terminal com as vias entupidas. Precisa ser revisto.
Você vai encarnar Eike no cinema. Foi uma surpresa?
Foi uma coisa que me mobilizou muito no ano passado, quando a produtora Morena Filmes (leia-se Mariza Leão, Sérgio Rezende e Tiago Rezende) me convidou. Na realidade, foi a Ciça Castello, produtora de elenco e minha amiga que indicou, até por uma determinada semelhança física, de sermos caucasianos, com olho claro, maduros, enfim…. Nem somos tão parecidos, mas algo acendeu na cabeça dela. Então, os diretores me assistiram num programa de entrevista e falaram “olha aí um caboclo bom pra fazer o Eike”. E deu certo porque é inusitado chamar um comediante para fazer um papel sério. A história dele é muito rica, uma vida muito complexa, cheia de altos e baixos; foi uma aventura e tanto. O filme tem um elenco genial. A gente retrata o momento político-econômico do Brasil, a trajetória da OGX, em que a ideia era muito legal, mas algo deu muito errado nesse caminho. E eu imagino que isso deva trazer uma curiosidade. Acredito que esse filme vai ser um marco do nosso cinema.
Você conheceu o Eike há uns 30 anos, quando namorou a Ísis de Oliveira (irmã de Luma). O que lembra da época?
É verdade, nós nos conhecemos há 30 anos. Foi muito legal porque ninguém sabia que eu me lembrava dessa circunstância. Era um ilustre desconhecido, mas me lembro muito da nossa relação. Ele era um cara muito bacana, muito sedutor, que, quando fala, olha no olho da pessoa e dá total atenção ao interlocutor. Quando ele faz uma colocação, não é só a questão da sedução, mas ele é um bom vendedor. Seja o que for que ele estiver falando, consegue se expressar com perfeição, e isso eu me lembro muito bem, porque era uma coisa que me chamava atenção. Ele se dedicava ao interlocutor e, mesmo eu sendo um zé ninguém, sempre me tratou muito bem em churrascos, aniversários… O Thor era recém-nascido, isso faz muito tempo. A principal referência para que eu pudesse compor o meu Eike foi assistir a muito material e estudar os processos judiciais porque ele teve que se explicar. Eu procurei fugir da caricatura, mas, ao mesmo tempo, trazer algo que lembrasse o Eike para as pessoas que o conheceram pessoalmente, como, por exemplo, o jeito mineiro de pronunciar os “esses”. Tentei puxar esse acento, a postura física muito altiva, positiva, incentivadora, característica de bons vendedores. Foi a maneira que vi de poder fazer a entrega do personagem.
O que você aprendeu com Eike?
A história dele não cabe num longa. Depois que a gente vai conhecendo mais profundamente, ele veio do garimpo, e só ali tem cinco episódios de uma série. Mas consigo destacar a audácia e a coragem. Que pessoa corajosa, como ele teve peito para se meter no garimpo, pousar um avião teco-teco no meio daquele mar verde que é a Floresta Amazônica, um lugar sem lei, sem conforto, cheio de encrenca, animais, doença. Foi sempre um risco muito grande; depois se meteu com minério etc. Até o casamento dele com a Luma foi muito corajoso – uma das mulheres mais desejadas do Planeta pela “Playboy”. Ele peitou a Petrobras na exploração de petróleo no Brasil. É muita coragem ter encarado os processos todos, ter pago o preço dissolvendo quatro empresas listadas na Bolsa de Valores para honrar os compromissos; enfim, coragem foi a palavra que absorvi.
Qual foi a melhor e pior coisa de interpretar Eike?
Pergunta difícil. A melhor foi a oportunidade de protagonizar um filme de tamanha grandeza e importância para o cenário cultural brasileiro. Já estou há tanto na profissão, e essa é a oportunidade de ouro que eu estava esperando para mostrar ao mercado que tem farinha nesse saco, talento e firmeza para interpretar grandes papéis e protagonizar as obras. Fico feliz e contente de estar nesse novo lugar da prateleira do supermercado da cultura brasileira. Não teve pior coisa, talvez a circunstância psicológica do personagem complexo com todas as situações de mudança, os golpes, os reveses, e, à medida que seguimos no filme, a história vai ficando doida, você sofre junto com a personagem. Então imagino o quanto ele sofreu e ainda sofre, porque os dados ainda estão rolando… Ele está em atividade, respondendo a processos e não sabemos o que vai acontecer com o futuro, o que dá uma certa ansiedade. A pior coisa foi a angústia de compor a derrocada. Estou louco pra assistir ao filme pronto. Minha passagem está comprada para o fim de setembro, mas vai depender da data de lançamento.
Você está em todas as mídias, podcasts, YouTube, redes sociais… É o futuro do artista?
A gente fica rodando os pratinhos no circo para não deixá-los cair. Teve a pandemia, daí eu e o Tiago Mantovani inventamos um canal no YouTube meio tardiamente. Eu cantava umas músicas, mas, hoje em dia, estou num lugar mais motivacional, de levar alegria para as pessoas. Eu não falo de política nem de doença, até porque eu acredito nas palavras do poeta que diz “políticos e fraldas precisam ser trocadas frequentemente, ambos pelos mesmos motivos”. Então tentamos trocar uma ideia — é um lugar de paz, onde eu conto histórias que vem à cabeça sem criar polêmica. Mesmo daqui, procuro produzir conteúdo. Demos uma parada com o podcast, já temos 5 episódios superlegais, em que colocamos o sarrafo lá no alto com convidados muito especiais. Quando eu voltar ao Brasil, pretendemos colocar isso no palco, porque a gente discute o ser humano, o que estamos fazendo aqui, meio aquele autor israelense Yuval Harari, que escreveu “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”. Estou estudando também para me manter atualizado. A coisa mais importante que aprendi com Chico Anysio, que foi um ídolo e amigo, é que ele estava sempre inventando algo: pintava quadros, fazia músicas, chutava e corria pra cabecear. Dentro da minha pequenez, cabe ser fã incondicional e tentar me espelhar da forma mais positiva e autêntica possível.
Foto: Ricardo Fasanello
Por Dani Barbi