Luis Erlanger foi repórter de jornal, de televisão, diretor da Central Globo de Comunicação (CGCOM), escreveu livros e teve passagem no cinema e no teatro. Se aguentássemos ainda usar o “se reinventar”, caberia bem aqui. A expressão está vencida, muito ao contrário do entrevistado. Aos 65 anos, virou um dos homens-lives mais importantes da pandemia, e sem arrancar os cabelos com pinça na busca por likes, de jeito nenhum! Em suas lives, ele faz declarações que vão do surpreendente ao confidencial, com os mais variados perfis.
“O protagonista é o entrevistado”, diz Erlanger, que recentemente conseguiu até tocar em um assunto, digamos, nunca antes falado na história deste país, ao fazer Xuxa comentar sobre Marlene Matos (“Eu era um fantoche, mas porque quis”, disse a apresentadora) e Marlene falar sobre Xuxa (“Ela foi honesta comigo”, contou-lhe ao pé do ouvido, ou melhor, da tela, a diretora de TV). E olha que não foram poucas as tentativas!
Perguntado sobre quem sonha em ter como entrevistado numa live, ele é direto: “Acredita que é o Bolsonaro? Justamente para tentar entender e mostrar quem é a pessoa por trás de um presidente, com essa visão de mundo e suas atitudes”, explica. Pensa também na coleguinha, rainha-das-lives: Teresa Cristina. Imagina esse encontro! Com vocês, o homem que é uma verdadeira enciclopédia — revisada e atualizada — da comunicação no País. E outra: Erlanger passa sempre a impressão de que está com o entrevistado desejado, e isso não é comum.
Você virou um dos homens-lives preferidos da pandemia. Suas entrevistas repercutem muito. Acha que todo esse retorno é devido a quê?
“Homens-lives” é bom. Logo depois que bolei, pensei em mudar para “vivo com Erlanger”, evitando palavras em inglês, mas poderiam achar que o entrevistado moraria comigo (risos). Como ainda não tenho um número expressivo de seguidores, acho que tem alguma repercussão porque escolho pessoas que têm o que dizer. Busco mais conteúdo do que apenas influenciadores digitais para alavancar audiência. Faço perguntas já com noção da boa resposta que virá. Agora, reconheço que sou uma modesta exceção; quem repercute mesmo na Internet é quem já tinha forte presença nessas plataformas. Eu, do nada, com essa estratégia, às vezes, faço um barulhinho.
O que é preciso para fazer uma live bacana?
Mesmo sendo uma entrevista, tem que ter o clima de bate-papo, mas, diferentemente de quando entrevistava na TV, não pode ter diálogo tipo pingue-pongue, porque ninguém entende nada: ou é um áudio ou outro. Então tento evitar, mas ainda tenho que melhorar, interromper o pensamento do entrevistado. Às vezes, não se percebe quando encerram ou não a resposta. E tem que ficar bem claro que o protagonista é o entrevistado, levantar a bola para eles cortarem.
Como tirar ótimas declarações de nomes como Xuxa, Mariana Ximenes e tantos outros?
Pesquiso muito a história de vida pessoal, além da profissional, do convidado. Não é à toa que sempre começo perguntando sobre a família, a infância etc… E tento conduzir dentro do perfil psicológico que identifiquei, o que gera uma certa intimidade. Mesmo sobre entrevistados com quem convivo e conheço bem, leio tudo que posso, o que ajuda na sintonia. Isso acontece até mesmo com entrevistados que sei pensarem diferente de mim.
Com quem sonha em fazer uma live? E com quem não faria de jeito nenhum?
Acredita que é com o Bolsonaro? Justamente para tentar entender e mostrar quem é a pessoa por trás de um presidente, com essa visão de mundo e suas atitudes. Não tomei iniciativa alguma e acho que ele não aceitaria. No entanto, quando decido, sou persistente, chato mesmo, como um foca (como são chamados os jornalistas recém-formados, em início de carreira). Já consegui que criassem conta no Instagram, só para eu poder entrevistar. E com quem não faria, basta ser desinteressante para eu não me interessar. Agora, se eu indicasse o nome de uma pessoa que não admiro, já passaria a ser interessante (risos).
Você já deve ter passado por poucas e boas saias-justas e contratempos nas suas lives, certo?
Um problema crônico é de natureza digital: existe alguma incompatibilidade do meu dedo com a telinha do telefone, que me faz ficar doido, tentando “pescar” o convidado. Outro problema constante é o péssimo serviço de Internet no Brasil: o sinal cai, a Imagem congela. Tive que interromper a entrevista com o Dr. Dráuzio Varella, que tem uma agenda lotadíssima, porque ficou travando direto. Felizmente, consegui fazer esta semana (26/01). Aparento, acho, tranquilidade, mas sou muito tenso para que tudo funcione. Então, aprendi rapidamente que não adianta me estressar por algo que não depende de você. Sem drama, mas ainda saio do ar aborrecido quando há problema técnico.
Tem gente que erra feio: cantores que exageram na bebida, excesso de informalidade, falta de assuntos interessantes, de debate, do que dizer realmente… Pode comentar sobre isso?
Acho que um outro diferencial é que não vou na base do “e aí, como vão as coisas?”. Faço uma abertura para conhecerem melhor o entrevistado e parto para temas interessantes. Em geral, acho que, sóbrios ou bêbados, as pessoas se expõem exageradamente ou sem noção. Como trabalho também com reputação de marcas, digamos, já acho o fim da picada celebridade ficar postando abobrinha, como no dia da mortandade em Manaus – parece, ou é mesmo, alienação – outro tipo de embriaguez egocêntrica. Não é obrigado a ficar engajado com o noticiário, mas não pode ficar alheio ao que acontece fora do mundo de verdade, fora do virtual. Se não tem nada a dizer a respeito, fique um dia sem postar nada. Agora, ao vivo, é sempre um risco: eu já fiz perguntas que foram interpretadas como tomadas de posição quando, na verdade, queria a opinião do convidado. Aprendi a fazer sempre ressalvas. E, lembremos: mesmo sem estar em veículo de comunicação, jornalista é pessoa jurídica e não pode ter preferências no trabalho.
Já assistiu alguma live de Teresa Cristina? Assim como você, ela descobriu que leva muito jeito…
Alguém não assistiu live da Teresa Cristina? Claro que não sou concorrente, mas, ao contrário, tento agendar fora dos horários dela. Ela é o grande fenômeno do gênero no Brasil. Taí, seria o máximo fazer uma live com ela! Da minha parte, apenas adaptei ao modelo minha experiência de entrevistador. Tive um programa na Globo News, com dezenas de entrevistas. Eu também era diretor da emissora e tomei uma decisão inédita: cancelei meu próprio programa porque não aguentava me ver depois, sempre insatisfeito, com minha performance, uma pergunta que não fiz, outra que não deveria ter feito. Só revi na íntegra umas dez lives, justamente para pegar o jeito. Não gosto de me assistir, mas recomendo que assistam.
Consegue apontar um Top 3 das lives mais interessantes da temporada?
Eu não assisto muito a lives do mesmo gênero que o meu, de entrevistas. As do Fábio Porchart são ótimas, independentemente do entrevistado, por ele mesmo; então, estaria na categoria “hors concours”. Para mim, as melhores são as artísticas. A grande campeã foi a primeira da Ivete Sangalo: sem produção, de pijama, na cozinha, criança pulando na frente, dentro do espírito de informalidade, mas passando muita emoção. Em segundo, listo a primeira do Caetano, marcada pelo marketing vai-não-vai da brilhante Paula Lavigne. Mesmo com mais produção, foi lindo vê-lo com os filhos; também passou o clima família e de comunhão: um artista beirando os 80 anos, emocionando numa nova plataforma digital. Em terceiro, o conjunto da Teresa Cristina, a rainha das lives.
O formato das lives vai permanecer pós-pandemia?
Não com essa oferta, mas vai permanecer. Acho que com tendência de migrar para o Youtube, com mais recursos e sem serem necessariamente ao vivo. Eu já abri um canal ( https://m.youtube.com/c/ LuisErlangercanal, faça sua inscrição!), mas é muito difícil atingir as metas para “monetizar”, como dizem hoje. Aliás, eu sempre repito: toco esse projeto com a maior paixão e profissionalismo, mas é para não ficar enferrujado. Profissionalmente, meu desejo é ser contratado por uma empresa para trabalhar no jornalismo ou na comunicação empresarial, como construí minha carreira, que quero levar adiante. Aos 65 anos, minha presença na cyberesfera é uma demonstração de que acompanho os rumos das mídias. Falando nisso, meu perfil no Linkedin é www.linkedin.com/in/ LuisErlanger: open to work.
O jornalismo passou por profundas mudanças da Internet para cá – ficou mais polarizado. Que balanço faz deste momento do ato de informar?
Temos que admitir que a pandemia revitalizou o jornalismo, devolvendo a ele a curadoria da verdade. Graças a isso, retomou o papel de “Quarto Poder”, brigando pelo interesse público — um antídoto contra a fake news, inclusive as oficiais. O ato de informar, ao menos no Brasil, voltou a ser até uma ferramenta para a preservação da democracia. Mas, passada a pandemia, aposto que a importância do jornalismo estará na análise e opinião. A informação primária virá de outras plataformas, muito mais ágeis do que as versões digitais de jornais e revistas. Em muitos casos, como na política e na cultura, o protagonista é agente e divulgador da notícia.
Tem algum novo livro vindo por aí?
Estou empacado com dois novos romances: um, para variar, muito doido, a autobiografia de um macaco. Mais, eu não conto. O segundo, ainda mais atrasado, é um romance policial, sobre uma mulher que resolve vingar-se das traições do marido. Para mim, escrever ficção é uma terapia de jornalista. E, na busca de novas narrativas, vou tentar escrever sob a ótica feminina.
Sente falta dos tempos de TV Globo? Como tem visto as últimas mudanças (cortes de pessoal, alterações de estilo e programação) na emissora?
Devo tudo que construí e minha formação ao jornal O Globo e à TV Globo. De verdade, torço muito por esse grupo, nesta luta desigual contra concorrentes estrangeiros muitíssimos mais poderosos. Os brasileiros têm que entender que a Globo é a última grande trincheira da identidade cultural brasileira. Mesmo que não quisesse, a toda hora, as pessoas rememoram comigo projetos bacanas de que participei no grupo. Da mesma forma, só sei das mexidas por lá porque, espontaneamente, me contam. Para o bem ou para o mal, não vivo olhando pelo retrovisor: sinto falta é de trabalhar.
Por Acyr Méra Júnior