Bruno Gouveia é um artista de poucas palavras no dia a dia e muita desenvoltura nos shows com o seu Biquíni Cavadão — nas paradas desde 1982. Além de tudo, porém, é um observador ao extremo, quase um obsessivo. O músico decidiu colocar todos os detalhes numa biografia, “É impossível esquecer o que vivi”, recém-lançada, com 454 páginas de história e emoção. O que era para ser um livro comemorativo dos 30 anos da banda, cronológico, mais “frio” e analítico, acabou em relatos sensíveis.
Mas, claro, tem toda a trajetória dos donos de sucessos como “Tédio”, “Timidez”, “Vento ventania” e “Zé Ninguém”, com histórias de bastidores, composições, turnês, e todos os pormenores da banda nascida, de forma despretensiosa, no pátio do tradicional Colégio São Vicente.
Um dos capítulos mais desconcertantes é dedicado ao filho, Gabriel, que tinha apenas 2 anos quando morreu, no dia 17 de junho de 2011, junto à mãe, Fernanda Kfuri, de 35 anos, à época, ex-mulher de Bruno. O acidente de helicóptero, que matou cinco pessoas na praia de Ponta de Itapororoca, em Porto Seguro, na Bahia, tomou proporções gigantescas, já que envolvia o nome de Sérgio Cabral, então governador do Rio.
Estavam no voo, além de Fernanda e Gabriel, Mariana Noleto, namorada de Marco Antônio Cabral (filho de Sérgio Cabral, que iria numa segunda viagem); Jordana Kfuri (irmã de Fernanda e mulher do empreiteiro Fernando Cavendish, dono da Delta Construções), seu filho Lucas Magalhães Lins e a babá Norma Assunção; além do piloto, o empresário Marcelo Almeida, presidente do First Class Group e dono do Jacumã Ocean Resort, onde Cavendish comemoraria aniversário, motivo da viagem.
Bruno estava nos Estados Unidos no dia do acidente. Os amigos fizeram uma megaoperação para esconder tudo até ele chegar ao Rio. Foi um choque relatado com riqueza de detalhes. “Viagem, Bahia, Porto Seguro, como assim? A cada fato novo, uma surpresa ainda mais triste – da negação à raiva. Por que motivo meu filho estava dentro de um helicóptero para uma festa nababesca como essa? ‘Maldito dinheiro!’, disse alto. Estava diante de uma tragédia: a minha própria. Balbuciei então: ‘Meu anjinho…’.Os amigos me abraçaram, choraram, mas eu não conseguia verter uma lágrima sequer. Estava totalmente em choque, mas não havia tempo. Era hora de ir para o cemitério”.
[top5] numero:1 [f] titulo:No começo do livro, você diz “Acho que a vida é como um barco no meio do mar: ou você rema para chegar aonde quer, ou iça as velas para que o vento o leve sem destino. Eu escolhi a segunda opção”. O que o levou a escrever o livro? [f]
desc:Inicialmente, queria juntar matéria para uma possível biografia da banda, quando fôssemos comemorar 30 anos. Logo vi que o meu jeito de escrever e minha obsessão por detalhes transformaria essa tarefa muito desgastante para qualquer biógrafo. A facilidade com que eu ia escrevendo cada capítulo me fez pensar em uma biografia da banda sob minha ótica e — por que não? — algo que contasse minúcias de toda a minha vida. [/top5]
[top5] numero:2 [f] titulo:Por que uma autobiografia? São 454 páginas. Teve dificuldades para sintetizar? [f]
desc:Todos da banda sempre me elegeram a “base de dados” do grupo. Isso foi fundamental pra dar ao texto uma fluência não acadêmica ao livro. No início, tratei de escrever sem pensar muito. Com o passar do tempo, achei melhor me impor um limite de páginas, que acabei não cumprindo, porém não extrapolando demais. [/top5]
[top5] numero:3 [f] titulo:Como foi o capítulo Gabriel e revisitar tamanha dor? Aliás, como você enxerga esse episódio hoje? O que lhe deu forças para continuar? [f]
desc:Busquei mais os meus sentimentos e menos me ative a pesquisas. É um capítulo que se parece mais com um quebra-cabeças com peças faltando. Achei importante, para dar a quem já passou por isso, um relato de que a vida tem que continuar. O amor de todos me salvou. Para superar o luto, disse a mim mesmo que não sofreria mais. Chorar, sim; sofrer não. Imaginando que Gabriel pudesse ainda me ver, seria muito triste para ele me encontrar tão mal. Por isso, deixei de tentar entender o que houve, para passar a apenas aceitar. Embora eu acredite que um dia possa encontrá-lo e entender os detalhes e porquês desta minha passagem e da dele por esta vida, não busquei contato espírita. Também não quis me entregar a bebidas, fugas, remédios de qualquer tipo de paliativo, mas mantive minha análise semanalmente até me sentir forte o suficiente para enfrentar novamente a vida sozinho. E tão logo isso aconteceu, me dei alta. [/top5]
[top5] numero:4 [f] titulo:Mudando de assunto, parece que a música deu uma parada dos anos 70/80 pra cá e que, só naquelas décadas, surgiu algo de original. Como você vê o cenário atual da música no Brasil? [f]
desc:A boa música ainda reina e é composta com maestria por muita gente boa; basta você procurar, ou melhor, garimpar. Digo isso porque também se acha coisa muito ruim por aí. Cabe a nós mudar, mas não se muda falando mal de quem você não gosta e, no entanto, faz sucesso. E sim falando bem de gente desconhecida – gente que pode despontar no futuro e mudar o padrão de hoje. [/top5]
[top5] numero:5 [f] titulo:E essa retomada dos anos 80 com tantas releituras e volta de grupos que tinham acabado? Como você vê? O Biquíni ganhou um público novo, jovem? Como se adaptar às mudanças? [f]
desc:Sobre quem acabou e arrisca uma volta, acho que se fizer boas canções – por que, não? Hoje, nosso público é mais jovem que a idade da banda, nossas músicas são passadas de pai pra filho. Sempre estivemos atentos ao mercado e, em muitas vezes, fomos pioneiros em abraçar as mudanças. [/top5]
[top5] numero:6 [f] titulo:Qual o segredo para uma banda durar tanto tempo? [f]
desc:Respeito, talento pra compor, paciência na baixa e humildade na alta. [/top5]
[top5] numero:7 [f] titulo:Você é mineiro, mas mora no Rio desde jovem. Pegou toda a efervescência cultural da cidade. O que mudou de lá pra cá e se o cenário atual o entristece? [f]
desc:Eu acabo não vivendo tanto o cenário do Rio. Não sei qual é “a boa da noite “ kkkk. Viajo praticamente todos os fins de semana pra fazer shows pelo País. Noto, entretanto, que o Rio tem estado acuado e com medo de sair às ruas — o que me entristeceu muito. [/top5]
[top5] numero:8 [f] titulo:Algum recado para o prefeito e governador? [f]
desc:Que eles amem a cidade. [/top5]
[top5] numero:9 [f] titulo:Tem alguma coisa daquela época que ninguém saiba, que está no livro e que você pode nos contar? [f]
desc:Tem muita coisa, especialmente como cada canção foi feita. Os primeiros versos de “Tédio”, por exemplo, foram inspirados em “Você não soube me amar”, da Blitz. Ela dizia “sabe essas noites em que você sai caminhando sozinho, de madrugada, com a mão no bolso?” Achei legal começar a nossa letra com “sabe esses dias em que horas dizem nada …” [/top5]
[top5] numero:10 [f] titulo:Quais os próximos planos? [f]
desc:Lançamos, em 2018, o álbum “Ilustre Guerreiro”, uma homenagem a Herbert Vianna. Estamos com esta turnê no momento. Gravamos um show em São Paulo com a versão ao vivo da turnê e que será lançado neste segundo semestre. Sem contar com isso, estamos lançando singles com parcerias inusitadas — Matheus e Kauan foram os primeiros. Esta semana, gravamos com o sambista Péricles. Tudo isso em meio a shows pelo Brasil e, em outubro, nos Estados Unidos. [/top5]