Vendo “O canto livre de Nara Leão”, sobre a vida da cantora, a gente pode imaginar, sentir, sorrir, chorar e até fazer o tempo voltar, quando o Rio parecia ser uma cidade tão doce. Nos cinco episódios, vemos a carreira da “Musa da Bossa Nova”, que, na verdade, foi muito além disso, trazendo em si uma personalidade surpreendente: timidez e decisão, força e destemor, doçura e valentia. Desde que entrou no catálogo do GloboPlay, em 7 de janeiro, o nome de Nara bateu recorde de interesse no Brasil, pelo Google — na comparação com dezembro de 2021, as buscas pela artista saltaram 100 vezes, numa alta de 9.900%.
A minissérie caiu do céu neste momento de aspereza nacional, com todo mundo conquistado pela voz, pela figura e pela importância de Nara Leão.
Foram tantas descobertas de Nara, com seu grande faro pra descobrir novos caminhos para a música brasileira! A confiança que ela tinha com suas escolhas, com a mesma firmeza e decisão com que mantinha sua eterna franja. Todas deram certo. Ali está o perfil de Nara, com depoimentos de Chico Buarque, Roberto Menescal, Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Edu Lobo, Dori Caymmi, Marieta Severo, Fagner e muitos outros artistas. A ausência de sua única irmã, Danuza Leão, foi muito comentada. Neste link, o que disse a colunista.
Conversamos com Isabel Diegues, filha de Nara e do cineasta Cacá Diegues, ambos muito presentes no doc, tanto quanto José Bial, produtor de conteúdo, de 19 anos, neto da cantora, filho de Isabel do casamento com o jornalista Pedro Bial sobre a repercussão da série, outras impressões e sentimentos. Isabel, de vida pessoal bem discreta, é diretora da editora Cobogó, além de roteirista, produtora e diretora de cinema.
Você esperava esse sucesso todo para “O canto livre de Nara Leão”?
Achei a série linda, tem uma pesquisa de arquivos de entrevistas e fotos maravilhosa. O Renato Terra, diretor do doc, construiu um roteiro, com a separação em capítulos por temas, costurado pelas entrevistas na voz de Nara que achei primoroso. Assisti à série já pronta apenas na semana de estreia e fiquei muito feliz por ver as pessoas serem (re)apresentadas à Nara Leão através de seu Canto Livre.
Qual sua maior surpresa depois de o documentário estar pronto? Sente-se mais perto de Nara?
Não sei se surpresa é a palavra. Mas muita gente ficou surpresa e comovida por não ter a dimensão da importância cultural e histórica de Nara, já que sua imagem ficou bastante ligada mais à bossa nova.
Quais passagens mais a emocionam e por quê?
Adoro assistir aos depoimentos feitos ao MIS, onde ela diz que não queria ser profissional. Acho a maior graça — a cara dela. E me emociona muitíssimo ver nós duas juntas e o modo como a gente se olha, cúmplice, na entrevista ao Nelsinho Motta. Mas, claro, estar com meu filho, depois de tudo que ele aprendeu sobre a avó, na casa dela na floresta e acontecer tudo aquilo, é inesquecível.
Muita gente passou a conhecer e admirar Nara Leão somente agora. Acha que o Brasil não valoriza como deveria determinados nomes?
Não temos o costume de celebrar nossas próprias riquezas — olhamos muito pra fora ou para o que os estrangeiros admiram em nós, o que é uma bobagem e uma perda imensa. O Brasil e os brasileiros são fantásticos. Se prestássemos mais atenção em nós mesmos, na nossa cultura, nas incríveis figuras que o Brasil produz e produziu, talvez não estivéssemos na lama que estamos hoje.
Seu pai, Cacá Diegues, falou que “Nara ajudou decisivamente a mudar o jeito da mulher brasileira, a dar-lhe um novo sentimento e um novo modo de estar no mundo”. Você se reconhece na sua mãe?
Nara é minha mãe, admiro-a imensamente. Eu vim conhecendo mais minha mãe ao longo dos anos, já que eu tinha apenas 18 anos quando ela partiu. Mas vê-la falando, ouvir o que diz, seu gestual, vê-la cantando todas aquelas canções, me fez reconhecer muitas coisas que estão, de certa forma, entranhadas em mim, mas que não penso a respeito no dia a dia. Sim, eu me reconheço em Nara, minha mãe. O jeito como ela me criou e ao meu irmão Francisco foi totalmente coerente com quem ela era e com o que acreditava. E muito disso ficou em mim. Não penso muito nisso, mas sei o quanto é forte. Recebi algumas mensagens supercomoventes de amigos bem próximos dizendo o quanto me viam nela enquanto assistiam à série.
Como ela ainda participa da sua vida? Quais principais heranças deixou em você?
As pessoas que a gente ama, e que nos formam, seguem conosco em quem somos, mas a gente só percebe isso aos poucos. Aquela ausência dela no começo dilacerante foi se tornando uma presença que nos acompanha, nos abraça em momentos cruciais. As saudades são eternas, mas vão mudando de jeito, e aprendemos também a alegria dessa saudade.
Como separar ou perceber a Nara como filha e como mulher – ela conseguiu equilibrar muito bem ser dona de casa, mãe, artista.
Não tem como separar, isso não existe. Quando somos mãe, profissional e dona do próprio nariz, tudo se mistura e administramos a multiplicidade de tarefas, às vezes com mais, às vezes com menos habilidade. Minha mãe escolheu fazer tudo que queria fazer. Fazia do jeito que dava, e ia se adaptando de acordo com o momento e as possibilidades. A vida é tentativa e erro. E saber se reinventar, porque todo mundo tem o direito de experimentar outras e novas formas de ser feliz. Acredito nisso não porque minha mãe tenha me dito, mas porque ela agia assim, sempre.
O José Bial, seu filho com Pedro Bial, e produtor do doc, o que parece desempenhar tão bem, não conheceu a avó. De onde e como vem essa ligação deles?
Me tornar mãe do José me aproximou da minha mãe. Sempre falamos muito dela, desde que ele era pequeno. E ele sempre foi curioso sobre a avó. Além disso, José gosta de ler, assistir, ouvir, pesquisar sobre as coisas que lhe interessam. É um cara curioso e observador.
Você tem cidadania francesa? Às vezes já pensou em ir embora do Brasil, por quê?
Nasci na França, mas não sou francesa. Não tive o direito de ter a nacionalidade, nem nunca pensei em morar fora do Brasil. Meu canto é aqui mesmo.
Qual resenha você faz do documentário, caso fosse uma crítica?
Não tenho vontade de fazer hoje uma “resenha crítica” do doc, nem tenho vontade de ter distanciamento pra isso. E nem preciso. Sei do meu prazer de assistir ao doc, de reconhecer tão vivamente minha mãe ali, de poder estar tão perto dela. Me sinto uma pessoa de sorte, privilegiada, de ter esses registros da minha mãe. Sou muito grata por poder assistir a esses materiais alinhavados no doc pelo Renato Terra, diretor, pela Jordana Berg, montadora, por toda a equipe. E tenho uma alegria imensa do meu filho José ter podido visitar de tão perto a sua avó nesse processo. Eu achei o doc lindo, emocionante, comovente, bem feito e sou muito agradecida a todos que fizeram o “O canto livre de Nara Leão” chegar a tantas gentes.
O Canto Livre de Nara Leão: Globoplay, produção musical de Dé Palmeira, edição final de Jordana Berg, fotografia de Dudu Levy, produção de Anelise Franco, colaboração de José Bial, supervisão artística de Pedro Bial e Mônica Almeida, direção de Renato Terra, produção executiva de Erick Bretas e Mariano Boni.