A falta de um selo de fiscalização, o SIF (Serviço de Inspeção Federal), nos queijos e linguiças de Pernambuco, que seriam usados no preparo de cachorros-quentes, levou a Vigilância Sanitária a jogar fora 160 quilos de alimentos do restaurante de Roberta Sudbrack no Rock in Rio, nessa sexta (15/09). Uma das chefs mais conhecidas no Rio, como também em todo o Brasil, Sudbrack se sentiu desrespeitada e resolveu encerrar sua participação festival. Desde então, a polêmica não para: como até mesmo admiradores chegaram a insinuar que a chef estava se colocando acima das leis, pedimos a ela uma explicação detalhada de todo o incidente. Fato é que seu nome acabou sendo mais falado do que de alguns roqueiros. Veja abaixo e forme sua opinião.
A organização do Rock in Rio disse ter feito várias reuniões para alertar sobre as exigências das leis sanitárias. O que aconteceu de verdade, você resolveu desafiar a Vigilância?
“Sim, é verdade, a organização do Rock in Rio fez reuniões de alertas, e nelas o que se ouviu era que todos os produtos tinham que ter origem, selo de inspeção sanitária, validade e condições de rastreamento e nós, como sempre, buscamos nos enquadrar na legislação. Nunca desafiei os órgãos públicos de controle e tenho respeito pelo trabalho que desempenham. Fomos convidados para participar do Rock in Rio e confesso que resisti muito antes de dizer sim, justamente por sermos uma empresa pequena e que trabalha com produtos diferenciados e artesanais.
A organização do evento queria inaugurar um espaço novo, o Gourmet Square, e estavam em busca, justamente, desse conceito, afinal era um festival, uma plataforma de exposição para mostrar as coisas que dão certo por aqui (e que estão cada vez mais escassas ultimamente). Tanto a organização como nós também contávamos com uma equipe técnica de nutricionistas. Em visita técnica de inspeção prévia ao nosso estande – onde fomos, inclusive, elogiados pela nossa operação – não apontaram restrições ou alerta ao uso dos nossos produtos.
Entendo que essa exigência absoluta de SIF é descabida para produtos artesanais que possuem a inspeção sanitária estadual. Era o caso da minha operação no Rock In Rio, todos os meus produtos tinham origem conhecida e certificação estadual. Afirmo, com segurança, que meus produtos não traziam risco ao meu cliente, do contrário eu teria que supor que as pessoas dos estados, que consomem diariamente esses mesmo produtos, estariam igualmente expostos ao risco?
Veja, por exemplo: o SIF é exigido para comercialização do produto fora da área geográfica, mas eu não estava vendendo queijo ou linguiça, eu estava vendendo cachorro-quente, esses são matéria-prima para o meu produto, são insumos que passam por um processo ainda de preparação e que trazem, inclusive, uma segurança a mais.
Eu poderia mudar o sanduíche e continuar no Rock In Rio se, talvez, a Vigilância tivesse tido uma postura de educação sanitária. Mas, diante do tratamento altamente desrespeitoso e flagrantemente abusivo, não me deixaram outra alternativa senão sair. Vou assumir um prejuízo cujos impactos na minha empresa ainda não posso mensurar, por respeito aos meus produtores, por respeito à gastronomia brasileira, que é tão rica e não merecia ser atingida por gestos tão pequenos, e por tudo aquilo que sempre defendi e pratiquei nessa minha trajetória de quase 25 anos”.
Quem deveria ter providenciado esse selo do SIF, o pequeno produtor? É um custo inviável para o pequeno produtor?
“O SIF é uma providência do produtor. Mas, como qualquer processo de certificação no Brasil, isso ganha ainda uma amplitude maior, é caro e demorado e pequenos produtores e empresas de pequeno porte muitas vezes não conseguem alcançar. A maioria não possui uma escala produtiva para custear esse processo. A verdade é que, há alguns anos, pequenos produtores, queijarias e charcutarias artesanais vêm lutando para que a legislação sobre o assunto seja mais objetiva e clara e não favoreça somente a grande indústria”.
Você não teme futuras retaliações quando resolver abrir um novo restaurante?
“Não estamos em uma ditadura, o aparelho público não pode existir para ser vingativo ou perseguir as pessoas. Me infligi como cidadã ao excesso de alguns agentes, isso é um direito, mas tenho certeza que essa não é a postura da maioria dos servidores da Vigilância. Sempre tive uma relação respeitosa com a Vigilância, sempre sofri fiscalização. Quando tinha troca de equipe, sempre procurei atualizar os treinamentos de boas práticas com eles”.
Você lamentou muito o desperdício de tanta comida jogada no lixo. Esse cuidado fez parte da sua educação, sua família tinha essa preocupação?
“Sou cozinheira, meu ofício é alimentar as pessoas, acho que só a maternidade tem um ofício parecido. Para mim parece óbvio se desesperar com comida boa jogada no lixo”.
Quando você fechou o seu restaurante disse estar incomodada com o fato de pessoas de classe média não poderem ter acesso à sua gastronomia. Sua consciência social está aumentando?
“O que eu disse é que gostaria de fazer um outro modelo que oferecesse mais possibilidades de acesso à minha comida. Não sei dizer se minha consciência social está aumentando por causa disso, na verdade minha consciência social sempre esteve presente em mim, na minha preocupação constante com entregar o melhor para meu consumidor, respeitar o saber de quem veio antes de mim e servir de plataforma para mostrar uma riqueza culinária maravilhosa que nos é desconhecida, mas que o mundo todo admira. Se estivéssemos na França, na Espanha ou no Peru essa discussão nem mesmo existiria. Fui a vários eventos internacionais, feiras e nunca presenciei algo parecido”.