Locke, no século XVII, nos apresenta o conceito de o sujeito ser uma tábula rasa ao nascer, sem conhecimento algum (com a mente se comparando a uma folha em branco, ou uma tábula rasa), e todo o processo do conhecer, tanto do saber quanto do agir, é desenvolvido através da experiência – como se a consciência fosse desprovida de qualquer tipo de conhecimento inato.
“A Sala Branca”, de Josep Maria Miró, o superpremiado autor catalão, com direção de Gustavo Wabner, traduzida por Daniel Dias da Silva, usa como metáfora a relação de crianças, em suas primeiras letras, em uma sala onde podem imprimir seus desenhos e suas relações com o ambiente. O fio da história é o reencontro de três alunos com a professora que, como um superego, lhes mostra as relações conflitadas tidas com um colega vítima de bullying por ser considerado homossexual que, provavelmente, tenha se suicidado aos 15 anos.
O elenco é formado por Daniel Dias da Silva, Ângela Rebello, Isabel Cavalcanti e Sávio Moll com ótimas atuações, pois cada um é capaz de dar o necessário tom ao personagem. Culpados, confusos em seus sentimentos, são revelados pela condução da professora.
A direção de Gustavo guia os diálogos, alguns ríspidos, outros repletos de perplexidade, em que cada personagem pode olhar para si próprio, rever a infância. Essa linha tênue é bem desenvolvida pela movimentação corporal, pela voz e pelo interpretação de Ângela, a professora, que vai orquestrando e provocando o crescendo dos sentimentos dos personagens.
No entanto, o que torna a peça uma experiência fascinante é o papel de Isabel Cavalcanti, o alterego da visão do autor sobre a capacidade da arte. Ela está grávida, mãe solo, mais madura e fascinada com a sua missão na maternidade: ter um filho que perceba o mundo. Escritora que é capaz de criar textos, mas reescrever o ambiente.
As músicas escolhidas por Gustavo, “Sinal fechado”, na abertura, e “Gracias a la vida”, com Violeta Parra, mostram o delicado trajeto de a pessoa se inscrever na vida, essa inscrição ser “incorreta” aos padrões e incapaz de superar. Isso acaba por morrer.
“A Sala Branca” mostra a perda da inocência, a dor da percepção dos atos aparentemente sem maldade, o olhar adulto incompreensível quando se é criança. A força da maternidade é capaz de desenhar, na sala branca, desenhos que sejam capazes de dar a vida, assim como o Teatro.
Serviço:
De quinta a domingo, às 19h
Sala Multiuso do Sesc Copacabana