Diferentemente daquilo que chamamos vida real, o teatro e as narrativas audiovisuais podem desenvolver passeios mantendo o sentido da história por vários espaços, mesmo que não exista cenário, e por vários tempos, mesmo que não haja troca de figurino ou envelhecimento, ou rejuvenescimento de personagens.
“A Barca” faz algo muito semelhante ao filme “A Corda”, de Alfred Hitchcock, que foi um filme sem edição, cujo tempo de duração é exatamente o tempo da ação. Esse procedimento já transforma a peça em arte de narrar. O texto de Álvaro Campos conta uma história aparentemente muito simples.
A ação se passa dentro de uma barca Rio-Niterói, com um procedimento dramatúrgico muito interessante: anuncia-se um defeito na barca, para que a ação possa durar mais tempo no encontro nada casual entre dois amigos de infância, mas cujo desfecho, na vida adulta de ambos é totalmente oposto.
A direção de Luiz Antônio Pilar, experimentado diretor de audiovisual, é um plano-sequência, aquele de ação sem cortes. Pilar ilumina o texto, demonstrando as contradições dos dois personagens, com a diferença de figurino, de voz, de inflexão. O personagem de André Ramiro mostra o fracasso do sucesso, enquanto o de Paulo Giannini mostra o sucesso do fracasso.
A interpretação de Ramiro é contida, séria, amarga – quer esconder o seu fracasso profissional. Já o trabalho de Paulo Giannini é uma explosão de alegria, de força, que é a sua capacidade de conviver com a vida que prometeu e não entregou.
O embate entre os dois é contínuo, até que, ao final, a cena mostra o retorno ao tempo perdido, de onde eles partiram de uma forma esfuziante. “A Barca” é a prova de que, ao mesmo tempo, pode-se aprender com grandes histórias e mostrar dramas intensos em narrativas concisas.
Serviço:
Quinta a sábado, às 19h
Teatro Correios Léa Garcia, no Centro Cultural Correios