A psicanálise, ainda que as pessoas a ela se referiam, e muito ao Complexo de Édipo, também tem um importante referencial sobre a relação mãe/filha. Para Freud (1931/1969), a mãe será definida como Outro onipotente, ao qual a menina está inexoravelmente ligada em sua pré-história; para Lacan (1972-1973/1975), ela pode ser uma devastação para a filha. A mãe e seu amor (ou sua impossibilidade) são elementos essenciais para abordar o feminino.
“A menina escorrendo dos olhos da mãe”, com o acerto do texto de Daniela Pereira de Carvalho e primorosa direção de Leonardo Netto, mostra que, ao contrário do conceito corrente de “minha mãe, minha melhor amiga”, coloca a relação no ponto exato do que ocorre. A mãe, uma inimiga disfarçada no pretenso amor materno, é incapaz de sair de sua casca, mesmo quando tenta não construir uma relação narcísica.
As duas atrizes (Guida Viana e Silvia Buarque) trocam de geração, mas permanecem no lugar de mãe e filha. A interpretação de Guida é transbordante na dubiedade da mãe; Silvia é a filha que tenta se negar, mas fracassa, cuja atuação nos mostra esse papel incapaz de erguer-se.
O cenário, o figurino e a iluminação são o perfeito suporte para a história fechada em diálogos — não há troca nem escuta. Elisa (Guida), aos 70 anos, reencontra, depois de muito tempo, sua filha Antônia (Silvia Buarque), com 50 anos. Passados 20 anos, a mesma Antônia, já aos 70 (agora vivida por Guida), conhece sua filha perdida, Helena (agora vivida por Silvia), aos 50 anos.
Além da enorme tristeza de ver que as relações se repetem em todos os seus impasses, a peça, um belo tapete de retalhos de rara sutileza, nos prova que a história se repete como farsa.
Serviço:
De 30 de agosto a 29 de setembro
Teatro Poeira, Botafogo ( R. São João Batista, 104)
Quinta, sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h