Há um livro, que foi uma Bíblia nos anos 70, chamado “Psicanálise dos Contos de Fadas”, no qual Bruno Bettelheim explica o que está por trás das narrativas consagradas, aparentemente inocentes. Em “O Figurante”, primeiro solo de Mateus Solano, nota-se que, sem necessidade de explicação, o que se vê é ao se mostrar o cotidiano desse profissional, fala-se de muitas relações das mais prosaicas às mais complexas.
O personagem de Mateus Solano, no texto com um jogo dramático bem urdido por ele e os outros autores – Miguel Thiré e Isabel Teixeira – vai desfiando as agruras absolutas, desde a solidão da vida, as viagens sem contato nos coletivos e o total alijamento no mundo do trabalho. Apesar de se chamar Augusto, ele é o altão, sem nome, sem papel, sem perspectiva.
O trabalho de Mateus fica de forma muitíssimo eficiente em dois eixos, corpo e voz. As mímicas dos gestos diários, das possíveis atuações de personagem que jamais acontecerão, as expectativas, as decepções se constroem na sincronicidade, na exatidão das mãos, nos meneios do tronco e na sustentação das pernas
A direção de Miguel Thiré é capaz de fazer o jogo entre Mateus, as vozes daqueles ausentes e ao mesmo tempo onipresentes que dirigem e espicaçam a vida do alegado figurante. Um participante alheio, sempre sem voz e proibido de ter qualquer gesto que evidencie a vontade própria.
Há algo de importante nesse monólogo, escapa-se do teatro de nicho, aquele com um viés definido, para uma peça com uma proposta clara. À primeira vista pode parecer um texto metalinguístico, com críticas ao comportamento dos profissionais com um nível de poder,como se escuta aqui e acolá. Mas esse tema é apenas a superfície. A aproximação acertada é com os marginais, no sentido primeiro da palavra: aqueles que vivem à margem. Não entram no rio, estão por ali na beira, sem permissão para nadar. Aguardando por toda uma vida, com uma força inabalável, a oportunidade de se jogar no rio.
Serviço:
Teatro Fashion Mall, São Conrado
Sexta, às 20h, sábado, às 19h, e domingo, às 18h.