Nos últimos dias, o povo cigano está nas manchetes, de maneira depreciativa, depois da morte do empresário Luiz Marcelo Antônio Ormond, supostamente envenenado pela mulher, a psicóloga Júlia Andrade Cathermol.
Nesta quarta (05/06), no entanto, o delegado Marcos Buss declarou que considera a autointitulada “cigana” Suyany Breschak a mandante do “crime do brigadeirão”, presa desde o dia 29 de maio sob suspeita de ajudar Júlia a matar o empresário.
“Não é a primeira vez que nos deparamos com esse preconceito, falta de respeito e de conhecimento, porque essa senhora não é cigana. Ser vidente e cartomante é uma coisa, cigana é outra. A informação errada incentiva o preconceito contra os ciganos”, diz a advogada Lhuba Batuli, consultora da Comissão de Direitos Humanos da OAB Nacional.
Lhuba é filha de Mirian Stanescon Batuli (falecida em 2022), a primeira cigana formada em curso superior no Brasil (Direito), fundadora do primeiro templo de Santa Sara Kali na América Latina, no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador. Ela deixou um longo trabalho de resgate da dignidade e autoestima do povo cigano no país, do qual era líder. Também foi inspiradora da personagem da atriz Tereza Seiblitz em “Explode Coração” (1995).
O povo cigano é de várias etnias e tem uma longa história de perseguição e violência. Os primeiros registros da chegada ao Brasil são de 1574. Atualmente existem poucos grupos, ou seja, a comunidade não é grande; a maioria se conhece predominantemente pelo sobrenome.
“Essa mulher já disse que não pertence ao povo cigano, mas que recebe espiritualmente uma cigana. Os ciganos tradicionais são os de sangue, aqueles filhos de ventre cigano. O espiritual depende da linha que ela segue, porque ser cigano não é uma religião — é ser um povo, ter tradições e culturas. Não tem como confundir”, explica Lhuba.
Outro recente episódio também citou ciganos pejorativamente, em 2022, com o golpe da atriz e herdeira Sabine Boghici contra a mãe, com prejuízo estimado em R$ 725 milhões, que envolvia “falas videntes”. À época, Lhuba foi procurada e, apesar do sobrenome parecido ao de sua família, não havia nenhum parentesco com Rosa Stanesco Nicolau, que se identificava como “Mãe Valéria de Oxóssi”, Jaqueline Stanesco e Diana Stanesco, todas presas acusadas de envolvimento no golpe. Elas seriam as falsas videntes que ajudaram Sabine e, de acordo com a polícia, tinham origem cigana.
“O sobrenome Stanescon, da minha família, veio da Europa; tem inúmeros derivados e variações. Essas pessoas não são minhas parentes. Mesmo assim, não tem como generalizar o povo cigano: existem os bons e os ruins, como em todas as etnias. Temos que parar de generalizar. O que não pode é responsabilizar um grupo inteiro por charlatões, que existem inúmeros, principalmente na Internet. Já vi até curso para virar cigano, um absurdo! Como ensinar coisas que a gente nunca aprendeu? Sugiro procurar a origem da pessoa, se ela é realmente cigana e a qual família pertence, não deixar levar por fotos superproduzidas. A gente divulga muito a nossa cultura no perfil da minha mãe. Instituímos a 1ª gruta de Santa Sara Kali, nos reunimos há mais de 26 anos com um grupo de quase 10 mil pessoas, entre eles ciganos e não ciganos, com o objetivo de divulgar a real cultura do povo cigano (todo dia 24 de maio, Dia do Povo Cigano). Meu apelo é que a mídia e as pessoas tenham uma atitude mais responsável, busquem conhecer as tradições e parem de marginalizar um povo que já sofre”, finaliza.