Diz a lenda que, no bojo da Poética, havia uma segunda parte que tratava da comédia. A questão era tão difícil, tão perigosa à sociedade, que o texto jamais foi encontrado. No ensaio sobre a significação do cômico, o filósofo Henri Bergson define que o riso é atividade da inteligência e se refere exclusivamente ao humano. É desse coquetel, bem misturado, que Fábio Porchat escreve “Agora é que são elas”, lembrando-nos que dobrar a barriga e ficar com asma de tantas gargalhadas são uma emoção única.
Há que destacar algo inovador e que funciona muito bem: as três atrizes (Maria Clara Gueiros, Júlia Rabello e Priscila Castello Branco) vivem 20 personagens que escapam a todas as fronteiras – gênero, idade e classe social. Representam homens, jovens, mais velhos, classe média, ricos e populares com o mesmo embalo da direção de Porchat. A versatilidade, o tempo – elemento constituinte da comédia -, as vozes que variam, o gestual não têm nenhum segundo de pausa, o que envolve a plateia.
São 20 esquetes (de sketch, esboço), cenas rápidas, tradicionais da comédia, mas que contam um história completa com início, meio e fim. Há de um tudo: a amiga supersticiosa que chega às raias do insuportável; a confusão das centenas de senhas; a “inveja” do casal vizinho que faz sexo barulhento e até a pessoa inconveniente que está condenada à morte.
Para montar “Agora é que são elas!”, Porchat misturou textos recém-criados e outros que, apesar de escritos em 2004 e 2005, revelam conexão com a década de 2020. À época, Porchat, estudante da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), no Rio, chegou a encenar alguns deles ao lado do saudoso colega Paulo Gustavo. A crítica, furiosa, mordaz, ferina, não perdoa nada nem a ninguém – como deve estar, com muita propriedade, no texto perdido de Aristóteles.
Serviço
Teatro dos Quatro – Shopping da Gávea
Sextas e sábados, às 20h; domingos, às 19h