O psicólogo carioca Thomas Schultz-Wenk, morando em SP, tenta ajudar as pessoas a superar relacionamentos conturbados, sendo, ele mesmo, vítima de um caso assim: depois da separação de um casamento de sete anos, teve uma depressão. O divórcio deu-se num período em que morava em Tóquio. De volta ao Brasil, tentou ajuda para superar, não encontrou e acabou se tornando exatamente esse profissional: “Comecei a estudar cada vez mais o tema e acabei virando o especialista que eu buscava”, diz.
Sobre o casamento, ele diz que se arrependeu de ter se acomodado, se tornado dependente e ter virado uma sombra. “Por isso, perdi a admiração dela e a minha autoestima; eu me tornei tudo o que repudio num homem. Culpa e arrependimento nos paralisam e impedem de seguirmos. Você não pode voltar no tempo, mas pode escolher evoluir”, explica ele, uma versão, digamos, mais eficiente de “Hitch: conselheiro amoroso” (2005, com Will Smith), com a diferença de que ele não ensina a conquistar, mas dá ferramentas para não entrar em frias e ajuda a superar separações.
Thomas concentra os atendimentos em quatro áreas: pessoas que querem um relacionamento saudável, que enfrentam a difícil decisão de se separar, aqueles que desejam superar um término e pessoas em relacionamentos abusivos.
Thomas também trabalhou como neurocientista, como chefe de laboratório de eletroencefalografia no INTO-RJ (Instituto de Traumatologia e Ortopedia) e desenvolve pesquisas no HUPE (Hospital Pedro Ernesto). Com suas dicas, é um destaque nas redes, com mais de 420 mil seguidores em seus canais (Tiktok, YouTube e Instagram).
Fim de ano está aí e, na lista da maioria das pessoas, encontrar um amor. Qual dica você daria para quem procura um outro alguém e não cair em ciladas?
É essencial ter clareza sobre os critérios de escolha e os valores que você busca em alguém — o erro mais comum é querer simplesmente encontrar qualquer pessoa para preencher um espaço na vida. Isso, muitas vezes, nos leva a ignorar se essa pessoa realmente combina conosco. Então, se sua meta para 2024 é encontrar alguém especial, foque em buscar uma pessoa que compartilhe valores, afinidades e similaridades com você: isso faz toda a diferença. A cilada está em se desesperar e apressar esse processo. Quando isso acontece, você corre o risco de tentar encaixar qualquer pessoa nos seus planos e sonhos, sem levar em consideração se a outra pessoa é a melhor candidata.
Como identificar se um relacionamento é tóxico logo no início?
É extremamente difícil identificar se um relacionamento será abusivo logo no início; isso acontece porque, no começo, tendemos a ver apenas o lado bom da outra pessoa. Ela pode ser sedutora e encantadora, apresentando uma máscara que dificulta saber o que é real. No entanto, existem algumas dicas que podem ajudar; por exemplo, observe, se a pessoa fala excessivamente sobre si mesma, indicando egocentrismo, ou se ela realmente escuta você. Preste atenção também em como ela reage quando você compartilha algo pessoal: ela oferece críticas sutis ou demonstra empatia? Porque uma característica típica de abusadores é a baixa empatia. Com o tempo, você pode começar a perceber sinais mais claros. Um relacionamento abusivo, muitas vezes, se revela através de críticas constantes que minam sua autoestima. Você pode se sentir como se estivesse “pisando em cascas de ovos”, temendo a reação do outro e se sentindo insegura, culpada e confusa. Outra característica marcante de um relacionamento abusivo é essa sensação constante de insegurança e culpa, na qual você começa a se questionar se você é a causadora dos problemas.
Qual o maior desafio dos relacionamentos atuais? Por que é tão fugaz? As pessoas estão sem paciência? Por que está cada dia mais visível a insatisfação?
O grande desafio hoje não está em começar um relacionamento, porque as redes sociais e aplicativos de relacionamentos tornaram isso bem mais acessível e fácil. O verdadeiro teste está em manter esses relacionamentos. Com tantas opções ao alcance, as pessoas acabam tratando os relacionamentos como descartáveis, mesmo que não valha nem a pena investir na maior parte das vezes. O que eu percebo é que muitas pessoas buscam emoções fortes, como a paixão, mas deixam de lado o comprometimento. Antigamente, os relacionamentos tendiam a durar mais, em parte, porque havia um senso maior de responsabilidade e valorização do compromisso. Hoje, vemos uma certa banalização e, às vezes, até uma imaturidade. Há uma crença equivocada de que relacionamentos são apenas sobre os momentos bons, ou sobre a intensidade da paixão. O problema é aceitar que relacionamentos longos tendem a se tornar mais monótonos, o que é um contraste gritante com o início, cheio de novidade e excitação. Todo relacionamento passa por esse mesmo processo: começa com a paixão e aventura; depois, na fase de consolidação do amor, entra em uma fase de segurança e tranquilidade. Mas muitas pessoas têm dificuldade em aceitar que, na maioria das vezes, você não pode ter ambos. O relacionamento tende a se estabilizar, trocando a intensidade inicial por uma conexão mais profunda e significativa. O desafio está em reconhecer e valorizar essa transição, entendendo que a calmaria e a segurança são características de um relacionamento maduro e duradouro.
Quais são as maiores reclamações de pacientes e seguidores? Por quê?
A reclamação mais comum que ouço é de mulheres: elas sentem que muitos homens não querem compromisso. E, de certa forma, elas têm razão; contudo, é importante não generalizar. Existem aqueles que buscam relacionamentos sérios, mas é verdade que uma boa parte parece preferir encontros casuais ou relações passageiras. A questão é que, se alguém deseja encontrar um parceiro disposto a se comprometer, vai precisar se dedicar a essa busca. Não é fácil. As pessoas que realmente valem a pena em um relacionamento são mais raras. O mundo está cheio de opções medíocres, então é necessário ser seletivo, usar uma espécie de “peneira” para discernir quem realmente vale a pena. É um processo contínuo de busca em que desafio é lidar com as frustrações ao longo desse caminho. Algumas pessoas desistem enquanto outras persistem até alcançar o que desejam.
Por que é difícil superar um ex, por que a rejeição dói e por que as pessoas gostam tanto do que é, digamos, indisponível?
Muitas vezes, acreditamos que, se alguém nos deixa, é porque não temos qualidades ou valores suficientes para manter essa pessoa conosco. Acabamos medindo nosso próprio valor pelo olhar do outro; na verdade, porém, o valor de cada um não é determinado por outra pessoa — o outro é apenas um observador. Às vezes, a pessoa simplesmente prefere estar sozinha ou não quer mais estar em um relacionamento. Ou então, passou a valorizar outro tipo de pessoa, completamente diferente de você e com valores contrários. A rejeição, muitas vezes diz mais sobre a outra pessoa do que sobre você. E é interessante como nos sentimos atraídos por quem está emocionalmente indisponível. Na Psicologia, existe essa ideia de que queremos o que não temos certeza de que podemos ter, por exemplo, quando alguém se declara rapidamente, muitas vezes perdemos o interesse. Por quê? Porque essa pessoa nos deu uma certeza absoluta e muito precoce de seu interesse. E essa certeza pode ser, de certa forma, desanimadora. Todos nós temos essa necessidade de conquista — como diz o ditado, “tudo que vem fácil, vai fácil”. O que realmente vale a pena geralmente precisa ser conquistado.
Por que é tão difícil perdoar uma traição? Regina Navarro Lins, por exemplo, é conhecida por mandar a real, dizendo que o casamento é uma instituição falida e que traição é normal se acordada, claro. O que você acha?
Bem, eu não vejo o casamento como uma instituição fadada ao fracasso: ele tem um significado importante, representando o compromisso de duas pessoas em enfrentar juntos os desafios da vida. Sem o casamento, muitos poderiam tratar os relacionamentos com menos seriedade, como fazem com ficantes ou namoros, desistindo mais facilmente, ao invés de lutar pela relação. O casamento atua como um lembrete desse compromisso, que, claro, pode ser quebrado se uma das partes estiver infeliz, mas que também merece ser honrado e valorizado. Quanto à traição, ela representa a quebra desse acordo mútuo. O mais doloroso na traição é o impacto na autoestima — você pode se comparar e se sentir menos que a outra pessoa. Ou, se a pessoa com quem você foi traída não parece “melhor” que você, isso gera ainda mais confusão e questionamentos: “afinal de contas, como ele me trocou por essa pessoa?” É importante entender que traição não está sempre ligada ao caráter: muitas pacientes minhas traem quando suas necessidades não são atendidas no relacionamento, sejam elas sexuais, emocionais ou de atenção e carinho. Geralmente, a traição é um reflexo e um sintoma de que havia algo de errado, ou faltando no relacionamento. Contudo, isso não é justificativa, claro.
Como manter uma relação saudável e até o tesão e a libido depois de anos de relacionamento?
Para manter um relacionamento saudável e preservar o desejo e a libido ao longo dos anos, é crucial entender o papel da comunicação e da admiração na relação. A comunicação é fundamental para evitar o acúmulo de insatisfações e frustrações. É o famoso ditado: “O óbvio precisa ser dito.” Mas eu entendo que muitas pessoas perdem a paciência de repetir a mesma coisa diversas vezes, porque isso indica a indisponibilidade do outro de mudar. Já a admiração é vital, principalmente para mulheres. Quando a mulher assume um papel proativo e o homem um papel passivo, o equilíbrio do relacionamento é afetado. Isso é comum em relações heterossexuais, em que, frequentemente, o homem se acomoda, não decide mais nada e delega todas as responsabilidades da relação e decisão para a mulher. Esse desequilíbrio faz com que ela perca a admiração pelo parceiro, e consequentemente, a atração sexual, pois, para muitas mulheres, a admiração está intimamente ligada ao desejo sexual. Portanto, é essencial não nos acomodarmos nos relacionamentos, por mais desafiador que isso possa ser.
Tem pessoas que sentem a separação como uma quase morte… Como superar?
O luto é uma parte natural de quase todo término de relacionamento, mas há uma diferença crucial entre o luto por alguém que morreu e por alguém que está vivo. No caso de uma morte, somos forçados a superar, pois a pessoa não está mais aqui. No entanto, quando a pessoa está viva, é sobre aceitar que o outro escolheu não estar mais conosco, enquanto continua vivendo a própria vida. Eu costumo brincar que essa pessoa se torna a verdadeira “assombração” porque a vemos nas redes sociais se divertindo e vivendo a vida sem nós, como se nunca tivéssemos tido importância. A verdade é que não existe uma fórmula mágica para superar um término, mas o melhor conselho que posso dar é não tentar fugir da dor, encarar o sofrimento. Passar pelas cinco fases do luto — negação, raiva, negociação, depressão e, finalmente, aceitação — é essencial. Vejo muitas vezes os homens terminarem relacionamentos e buscarem distrações, evitando o processo de luto a todo o custo. Eles saem pra noitada e ficam com outras pessoas para não entrar em contato com esse sofrimento. Mal sabem eles que a conta sempre chega. As mulheres, por outro lado, tendem a enfrentar essas emoções mais cedo. Isso leva à impressão de que os homens sofrem menos, mas, na verdade, eles têm mais dificuldade em lidar com o sofrimento e acessar suas emoções. Um exemplo clássico é o da mulher que já está começando a superar o fim do relacionamento, enquanto o homem, que estava se distraindo com festas, sente-se sozinho num domingo de ressaca e manda uma mensagem para a ex, dizendo que está com saudades. Mas, na realidade, não é saudade da ex, é só a dificuldade de se acostumar com a ausência dela agora que não está mais se distraindo.
Como você superou a sua própria experiência e decidiu ajudar os outros?
Eu me casei e fui morar em Tóquio, no Japão, mas acabei me divorciando e voltando para o Brasil, à procura de um psicólogo especialista em términos e superação, mas não encontrei ninguém que realmente atendesse às minhas necessidades. Então, decidi me aprofundar e me especializar nessa área. Acabei me tornando o especialista que eu gostaria de ter encontrado. Ao longo do tempo, percebi que muitas pessoas enfrentavam dificuldades semelhantes às minhas, e isso me motivou a ajudá-las. Na realidade, acabei me surpreendendo com a quantidade de pessoas que sofrem e ficam presas nesse processo de luto. O que realmente fez a diferença para mim foi redirecionar a energia do meu sofrimento para áreas mais produtivas da minha vida. Por exemplo, mergulhei no trabalho e abri três empresas, canalizando toda a minha energia de forma produtiva. Também foquei obcecado em exercícios físicos, o que, até hoje, considero uma das melhores formas de lidar com o processo de término de um relacionamento. Acredito que foi uma combinação de autodescoberta e redirecionamento de energia que me ajudou a superar e, consequentemente, a ajudar outros a fazerem o mesmo.
Em época de redes sociais, apps de pegação para todos os gêneros, liberdade sexual, etc., qual o maior problema que você vê nos relacionamentos? Quais suas dicas?
O que eu percebo hoje é um grande desafio que vem com essa facilidade de conhecer pessoas novas: o paradoxo da escolha. Quanto mais opções temos, mais paralisados ficamos. É comum, por exemplo, em apps de relacionamento, manter conversas com várias pessoas ao mesmo tempo. Isso acontece porque temos medo de fazer uma escolha errada. Sempre fica aquela dúvida: “E se a pessoa que eu deixei pra trás fosse a melhor opção?” Esse medo de errar na escolha traz um medo de arrependimento constante, independentemente de quem escolhemos. Além disso, acredito que falta um comprometimento maior com uma pessoa só. Não podemos tratar as pessoas como se fossem descartáveis, como um “cardápio humano” que os apps nos apresentam. Parece que nos dessensibilizamos e nos tornamos uma sociedade egocêntrica e narcisista. E se você quer conhecer alguém, é importante entender que, de 15 ou 20 encontros que você tenha, talvez um ou dois sejam realmente promissores. Para encontrar alguém que valha a pena, é preciso passar por frustrações e encontros não tão bons, ou até desastrosos. Precisamos ter resiliência e saber que é está cada vez mais difícil identificar quem quer um compromisso de quem quer só uma noite de diversão.
Até por pressão social, as pessoas às vezes namoram para não ficar sozinhas. Como você vê isso?
A pressão social realmente afeta a todos, mas percebo que é particularmente intensa entre as mulheres. Há essa expectativa constante de casar, ter filhos e estar em um relacionamento. É como se, ao não seguir esses padrões e regras, você estivesse de alguma forma falhando na vida. E não é fácil ignorar essas pressões, ainda mais quando elas vêm de pessoas próximas, como familiares e amigos. Mas olha, na minha experiência, é muito melhor estar bem consigo mesma do que infeliz em um relacionamento! No meu consultório, vejo muitas pessoas que cederam a essas pressões sociais e agora estão diante de uma escolha difícil: continuar em um casamento infeliz ou enfrentar o medo da solidão. Estar sozinha, na verdade, pode ser uma oportunidade incrível para o autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Não significa que você está estagnada ou atrasada na vida. Essa ideia só surge quando começamos a nos comparar com os outros. Há um certo medo de ficar sozinha, quase como se isso fosse uma sentença para a vida toda. Mas, como eu sempre digo aos meus pacientes: “A vida é feita de fases. Se hoje você está sozinha, amanhã pode não estar mais.” É importante lembrar isso para não se desesperar.