Ele tem 29 anos e está tentando elevar a educação carioca a outro patamar. Renan Ferreirinha, secretário municipal de Educação, coordena 1.549 escolas, 660 mil alunos e mais de 36 mil professores — a maior rede da América Latina, ou seja, é impossível não conhecer alguém que passou pelo serviço da Secretaria Municipal de Educação (SME). Os desafios são muitos, ainda mais no pós-pandemia, com déficit educacional, evasão escolar, expansão do ensino integral e as preocupações com a segurança nas escolas. Nada, porém, parece tirar o seu estímulo, nem com essas criaturas que não resistem ao desejo ardente de querer atrapalhar, detonar, destruir.
E neste sábado (01/07), lá estava Renan, para assinar a renovação do “A+”, projeto para estudantes com altas habilidades, no Museu do Amanhã, que recebeu investimento de R$ 1,25 milhão do Instituto Apontar, tendo o humorista Hélio de la Peña, incentivador da educação, como embaixador. Só este ano, 325 estudantes serão beneficiados. O projeto foi lançado em março do ano passado e já atendeu mais de 300 alunos de 76 escolas e 54 bairros. Segundo a OMS, 5% da população tem algum tipo de superdotação, porém apenas 20 mil são identificados no Brasil, ou 1% do total de estudantes.
No início desta semana, a SME lançou o “DiáRio”, um app para descomplicar a vida dos professores e ajudar no combate à evasão escolar, uma versão digital da “chamada” que, além de controlar a frequência, facilita a produção de relatórios para traçar os perfis dos faltosos.
Outro app é o “Escola Segura” para registrar casos de bullying, violência, racismo e outros; antes, era apenas analógico, no livro-ata na escola, feito à mão.
São apenas algumas faces da gestão de Renan, de família de classe média baixa, cujo primeiro cargo na política foi como deputado estadual, aos 25 anos, em 2018, sempre levantando a bandeira da educação — “a educação não me abriu portas, escancarou”, costuma dizer.
Ele é cria de escola pública, do Colégio Militar do Rio (passou em 6º lugar entre 5 mil candidatos) — “saía às 4h30 de casa pra estar na Tijuca às 6h30”, conta —, e se formou em Economia e Ciências Políticas na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, com bolsa integral. Desde os 19 anos, desenvolve projetos que debatem o ensino. Quando caiu na Alerj, foi presidente da comissão de Economia e relator da Comissão do Covid, que investigou as denúncias de corrupção na Saúde, resultando no impeachment do então governador Wilson Witzel.
Como você foi parar na pasta de Educação?
Sou filho e sobrinho de professoras, natural de São Gonçalo; minha vida foi transformada pela educação. Além de ter a educação na família, estudar numa escola federal me proporcionou alçar voos muito maiores do que eu imaginava. Foi ali que percebi ser possível ir pra universidade, que existiam outros caminhos que a sociedade, até então, não me mostrava. Quando eu tinha 11 anos, minha mãe me levava para as provas e ficava me esperando quatro, cinco horas enquanto eu estava fazendo Olimpíada de Matemática. Ela também sempre me fez carregar um livro na mochila, onde eu estivesse. Esses pequenos hábitos podem fazer a diferença – transcendem a barreira socioeconômica. Meus professores foram meus verdadeiros heróis. Teve um que falou para eu considerar a possibilidade de estudar fora. Como assim? Nunca pensei que isso fosse possível… Foi quando descobri que existiam bolsas de estudo nas universidades. Daí passei a ser aceito em algumas americanas e, em 2012, fui para Harvard, onde me formei em Economia e Ciências Políticas – uma mudança muito grande. Peguei muito frio em Boston.
Você poderia ter seguido carreira nos EUA. Por que voltar e ainda cair na política?
Em 2013, em Harvard, junto com Tábata Amaral (hoje deputada federal por SP) e Lígia Stocche (engenheira paulistana), criamos o Mapa da Educação para dar ferramentas para que os jovens discutam como melhorar o ensino no País e para criar uma ponte com os governantes. Tinha uma turma que estava muito empolgada com o cenário político em 2018; voltar foi a decisão mais importante da minha vida. Tive oferta para trabalhar em alguns lugares (Califórnia e NY), mas eu queria muito estar aqui; 2018 poderia ser uma eventual janela de oportunidades. Voltei em 2017 e, no ano seguinte, candidatei-me a deputado estadual e fui eleito. Entrar na política foi uma questão de entender onde que eu poderia causar mais impacto. Quero gerar, de fato, uma grande mudança na educação, e o que me impulsiona é o impacto social para centenas de milhares de pessoas. Foi isso que me motivou a ser candidato. Minha família achava que eu estava maluco, mas sempre me apoiando. Tenho um tio político no interior do Rio, mas isso foi zero influência no sentido de decisão. Não sou herdeiro político.
Você pegou o pico da pandemia, escolas fechadas. Como foi lidar com essa pressão? Já voltou ao normal?
O prefeito Eduardo Paes foi muito corajoso naquele momento, porque o Rio foi a primeira cidade do Brasil a reabrir as escolas em larga escala. Escolas fechadas causam impacto não só na aprendizagem, mas também na alimentação – era mais de 1 milhão de refeições por dia; tudo isso conduziu a essa reabertura. Ainda estamos correndo atrás, porque houve um grande retrocesso no conhecimento em várias situações. Nossos professores tiraram leite de pedra para tentar atenuar ao máximo. O impacto foi grande, então estamos tentando corrigir isso com iniciativas de reforço, de atratividade da escola. Lançamos, por exemplo, uma grande campanha de combate à evasão, o “Bora Pra Escola”, no ano passado, e conseguimos levar de volta 25 mil crianças para as salas de aula.
Como fiscalizar isso tudo?
A SME tem o maior orçamento entre secretarias de todas as capitais do País, e não existe nenhum equipamento público tão presente na vida de uma população quanto as escolas municipais cariocas. Em cada esquina, tem uma; São Paulo, a maior cidade do País, tem 1.533 escolas, e nós, 1549. A gente tem que ter um fluxo de gestão muito eficiente, por isso estamos buscando aprimorar problemas pontuais, como diminuir o tempo que nossos professores e diretores e secretaria perdiam computando frequência.
De todos os projetos, qual o seu maior orgulho?
O principal deles, sem dúvida, até agora, são os 30 Ginásios Experimentais Tecnológicos (GETs), que são os CIEPs do século XXI, uma escola baseada na metodologia para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática, que integra diferentes áreas do conhecimento, estimula o pensamento crítico, o trabalho coletivo, a sensibilidade artística através de diferentes práticas. O coração são os laboratórios, onde os alunos colocam a mão na massa, desde a criação à concepção, muito bem equipados, até com impressora em 3D. A previsão é de um total de 75 GETs até o fim do ano, para mais de 30 mil alunos, de todas as idades e regiões; até o final da gestão, serão 200. Também cito um dado que pouca gente sabe: o Rio foi a cidade que mais abriu vagas para creche no último ano, 19 mil, nas da Prefeitura e as conveniadas. Outro projeto é a Olimpíada Carioca de Matemática, criada em 2021, mas, para gerar adesão por livre e espontânea vontade, resolvemos premiar com viagens à Disney e à NASA. Então, se mandarem bem, os primeiros 100 alunos ganharão a viagem; isso virou uma loucura na cidade, com 400 mil alunos participando. É surreal. Com isso, passamos um recado muito claro: que estudar vale a pena. O caminho da educação vale a pena.
E sobre segurança nas escolas? A educação não seria a principal arma contra a violência?
Somos vítimas da violência urbana, que tem tirado boa parte das nossas horas em todas as secretarias, em situações muito esdrúxulas, como a depredação dos BRTs e outros equipamentos públicos. A educação é a grande resposta pra que a gente consiga investimentos para mudar essa realidade. Somos reféns da violência urbana geral e que tem entrado nos muros das escolas. Temos criado alternativas para tentar atenuar isso, como um núcleo de pedagogos, psicólogos e assistentes sociais para fazer um trabalho socioemocional. Temos um projeto chamado “Conte até 10”, a questão da respiração, do controle emocional, aquela coisa bem de avó, né? Antes de você fazer uma besteira, conte até 10. Eu morei nos EUA por quatro anos, fazia protocolo de situações como essa e dava graças a Deus que o Brasil não tinha isso. Agora precisamos ter protocolos, investir em saúde mental e reconhecer que essa é uma situação real.
Qual o maior dos seus exemplos?
Nelson Mandela (1918-2013, Nobel da Paz de 1993 e pai da moderna nação sul-africana), que serve quase como uma bússola, uma pessoa que conseguiu fazer uma grande virada social no seu país. Mas o Brasil é uma grande referência de pensadores educacionais para o mundo, sendo o grande destaque Darcy Ribeiro. Acho que ele conseguiu unir a teoria com a prática nas concepções dos CIEPs, e pensar no indivíduo como um todo, entendendo que a educação é, sim, fundamental. E para uma criança ser bem educada, ela tem que estar bem alimentada, com quatro refeições por dia, tem que ser estimulada com esporte e cultura.
E suas pretensões para o futuro?
Foco em fazer o presente muito bem para sonhar cada vez mais alto. Eu acho que tenho uma ambição muito grande, que é fazer o Rio um grande exemplo de educação pública em nível internacional. É a pessoa pensar em educação pública de qualidade e, automaticamente, associar com o Rio. Sou muito grato de estar caminhando ao lado de um líder como Eduardo Paes. Ele é apaixonado pelo Rio e, com isso, motiva a todos. Seu único defeito é ser vascaíno (rsrsrs).
Seu trabalho de finalização de curso em Harvard foi sobre corrupção. Como a encara na política, presenciando-a por todos os lados?
Fui orientado por Michael Sandel (filósofo, escritor e professor), que escreveu o livro “Justiça”, bem famoso no Brasil. Escrevi a tese sobre o “jeitinho brasileiro”. Foi um trabalho subjetivo, atrelando as coisas positivas e negativas do País — o da persistência, da criatividade, do empreendedorismo, mas tem um lado muito negativo, em que essas mesmas qualidades podem ser usadas para o mal. Muitas pessoas associam o “jeitinho” unicamente ao lado negativo, mas o brasileiro é muito sagaz – como exemplo, um médico consegue fazer uma cirurgia com recursos escassos, o que um alemão nunca faria. Não estou glamourizando a falta de recursos, mas como as pessoas lidam com ela. Quando você entra na política, não escolhe ser corrupto ou não — a ética pública é baseada na ética privada, nos valores. Pra mim, pegar atalhos não é uma possibilidade, mas vou correr três, quatro vezes mais para poder compensar. E temos que entender que políticos não vêm de marketeiros políticos, mas da sociedade; então, para preparar melhor nossos líderes públicos, a gente cai na nossa educação, que é a resposta no final do dia — pra tudo.
O que te dá tesão na vida pública e o que te desanima?
O que me dá mais tesão é conseguir impactar e transformar a vida das pessoas de maneira concreta. É criar uma olimpíada que leva as crianças a sonhar, é criar escolas supertecnológicas, soluções para problemas, então, esses são meus combustíveis. O lado difícil são as críticas, mas a gente vai criando casca – isso faz parte. Tenho zero pretensão da perfeição; muito pelo contrário, a gente erra e aprende, mas têm aquelas críticas que são pesadas e atingem a família e amigos que não necessariamente criaram aquela casca grossa. Aí, você sofre mais por ela do que por você mesmo. E a Internet é terra de ninguém — as pessoas se escondem por trás de uma máquina e acham que podem falar e dizer o que quiserem. Acho que é um processo de evolução democrática.
Por Dani Barbi