Ando pensando em me cadastrar num desses saites de relacionamento, pra ver se desencalho. Estou solteiro (não necessariamente casto) há muitos anos, e algo me diz que devo rever minha desconfiança com relação às agências de casamento (ou às de encontros, pelo menos).
Será que só porque tenho um gênio difícil, sou intratável, exigente, cheio de manias e moro na Barra da Tijuca não mereço uma chance? Sou um pé de havaianas que já deformou, soltou as tiras e começa a ter cheiro, mas insisto em um pé perfeito para me calçar. Ou que, pelo menos, não venha com todos os dedos do mesmo tamanho nem afastados demais. É querer muito?
Tenho minhas idiossincrasias, confesso. Me apaixono fácil demais, depressa demais e desajeitadamente demais – ou não me apaixono de jeito nenhum. Não tem aquilo de conhecer, ir descobrindo aos poucos, ir me conformando com os defeitos e acabar por me resignar que é assim mesmo, que relacionamento perfeito não existe, que a vida a dois é um exercício constante de renúncia, para então chegar às bodas de prata fazendo de conta que tudo deu certo e que isso é ser feliz.
Há pessoas que vivem romances. Só vivi contos. Daqueles curtos, intensos, agudos, como os do Dalton Trevisan. De poucas palavras e de deixar a alma em carne viva.
Meus relacionamentos mais estáveis foram com a Benedita (durou 12 anos) e, agora, com a Duda (já dura quase 10). E as duas são bem diferentes – uma, labradora; a outra, viralatíssima. O que prova que não procuro nenhum tipo específico — e a fidelidade canina é só um bônus.
Imagino que nesses saites a gente precise levar uma foto não muito antiga, se descrever de maneira não muito distante da realidade e preencher um formulário sem mentir demais. Além de declarar, com um mínimo de bom-senso, mais ou menos o que procura. Tenho uma foto aos 21 anos em que estou razoavelmente bem (e se a usei até beirando os 30, talvez ainda possa recorrer a ela — afinal, não mudei tanto assim nas últimas quatro décadas). Posso diminuir um pouco os meus 84 quilos (quero chegar aos 80 ainda antes do velório) e dar um apigreide na altura (1,80 tá bom, mas já não impressiona tanto como quando eu tinha 16 anos).
E, afinal, o que busco?
Alguém que não me ame tanto a ponto de pensar que sou seu, nem tão pouco a ponto de não querer que eu seja.
Que não beba, não fume, não vote no PT nem no PL e, de preferência, não torça pro Vasco (querer que seja Botafogo reduzirá demais as chances de sucesso).
Que prefira Havana a Miami, a poesia à prosa, o dia à noite, o silêncio aos sentimentos explícitos.
Que não goze tão rápido pra me deixar na mão, nem demore tanto pra me deixar com câimbra.
Não precisa gostar de música brega como eu gosto, mas que tenha humor suficiente para se divertir com ela.
Que ria das minhas piadas, principalmente daquelas que não merecem risada alguma.
Que goste de cozinhar, porque eu adoro comer, e de fotografar, porque estou cansado de voltar de viagem sem ter uma foto minha sequer.
Que beije com a boca levemente aberta e os olhos levemente fechados, não o contrário.
Que durma sem fazer barulho, não se mexa muito, e acorde de manhã com hálito de quem acabou de escovar os dentes (uma caixinha de pastilhas Valda na cabeceira resolve).
Que seja tudo isso — ou melhor! — nada disso, e me surpreenda, e me mostre que andei procurando errado a vida toda, por isso ainda não tinha encontrado.
Pena que a Benedita não possa dar referências (morreu há dez anos, em março de 2013) e a Duda talvez não seja muito isenta (ainda deve estar fresca a bronca que levou ontem, por ter destroçado o pufe de couro). Afinal, bodas de ônix e de papoula sem uma briga sequer (briga por motivo de pufe destruído ou sofá desventrado não conta) mostram que não devo ser um caso tão perdido assim.