Se você está com tensão pré-eleitoral, dorme mal, os dias estão suspensos, chega Natal, mas nunca este domingo (30/10), seus problemas acabaram ou estão apenas começando (pelo lado emocional, claro) — a depender do resultado das urnas, que deve sair lá pelas 20h30, quando chegar a 88% das apurações, segundo estimativas.
Se, para qualquer um de nós, aquele que só assiste a tudo de camarote sobreviver aos últimos meses está difícil, imagine para um cientista político? Sem a permissividade de uma válvula de escape, eles vivem esse cenário intensamente, e, em tempos atuais, o desafio chega a ser espartano. Para resumir o panorama político atual, depois dos últimos acontecimentos, a coluna conversou com Mauricio Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, que provavelmente não vai dormir até segunda (31/10).
“Conversei com dezenas de pessoas e não encontrei ninguém tranquilo. As pessoas estão nervosas de maneiras diferentes, explorando todas as variáveis possíveis”, diz ele, que aceitou convites para comentar ao vivo em canais estrangeiros, principalmente americanos.
Estará em links diretor em TVs, rádios e sites no domingo e segunda (30 e 31/10), como a CNN, a Rádio França Internacional (RI), a rádio Deutsche Welle, da Alemanha, o Washington Brazil Office (WBO, organização independente especializada no pensamento e divulgação do Brasil nos EUA), entre outros.
Qual (ou quais) o país que mais se identifica com o Brasil politicamente e o que menos consegue entender?
A imprensa internacional nunca esteve tão interessada nas eleições, mais do que em anos anteriores. De todos os estrangeiros que estão acompanhando, os que mais nos entendem são os americanos porque eles viveram e estão vivendo algo parecido com o Donald Trump; então fazem uma ponte muito direta, muito rápida entre o Brasil e a realidade de lá. Outras culturas têm mais dificuldade em entender, inclusive países próximos, como a Argentina, Chile e Uruguai, até pelo peso da religião, principalmente dos evangélicos nesta eleição. Na comparação com o Brasil, a sociedade argentina é muito mais laica, e a religião não tem esse peso a ponto de definir ou influenciar uma eleição (segundo último censo do IBGE, são 42 milhões de evangélicos no País, dos 190 milhões de brasileiros, sendo que 40 milhões são aptos a votar). Então, eles têm dificuldade em entender esse novo Brasil que apareceu nos últimos anos, mas isso acho que nós também estamos.
Qual a diferença do 1º para o 2º turno?
Foram várias fases para esse 2º turno; embora ele tenha começado há poucas semanas, o mês de outubro foi o mais longo da história política brasileira. Começou com uma campanha muito dura de ataques pessoais envolvendo sexualidade, drogas, canibalismo, um pouco de tudo, mas houve dois casos que desestabilizaram a campanha Bolsonaro e que ele não conseguiu responder de uma maneira eficaz. Um deles foi a questão sobre as meninas venezuelanas, com todas aquelas falas muitos sexuais, aquilo causou um problema grande para a estratégia de campanha (o Presidente declarou que “pintou um clima” com meninas venezuelanas adolescentes em Brasília e a repercussão foi gigantesca), e o segundo, claro, foi o episódio do Roberto Jefferson, do ataque com fuzis e granadas contra a Polícia Federal. E paralelamente tivemos uma campanha do Lula com alguns erros e muitos acertos, entre eles, a construção de uma frente ampla, realmente abrangente, a maior que tivemos no Brasil desde o retorno da Democracia. Em outros anos da sua candidatura, Lula montou uma frente de esquerda, os partidos o estavam apoiando, mas desta vez ele conseguiu incluir setores muito expressivos dos liberais brasileiros, em particular os intelectuais e políticos liberais que tinham trabalhado no governo no PSDB. Muita gente da geração mais antiga do PSDB, que tinha lutado contra a ditadura, está apoiando o Lula agora, e isso deu uma legitimidade muito grande para a campanha dele. E tem o fator Simone Tebet, a 3ª colocada no 1º turno, que tem uma influência política eleitoral muito maior que o percentual de votos que ela teve no 1º turno. Simone mergulhou de cabeça na campanha, indo pra rua.
O que achou da declaração de Lula ao dizer que não vai concorrer a um segundo mandato?
Uma fala importante. Ele tem a idade do meu pai (77 anos) e vejo as dificuldades cotidianas. É alguém que pouco sai de casa, já levou uns tombos na rua, mas o Lula tá pulando em carro elétrico. Quando o Tancredo Neves fez a campanha para a Presidência, diziam que ele estava velho, e perguntavam de onde ele tirava energia. Ele dizia: ‘Isso é vitamina P, de poder’. É essa coisa do político estar buscando a vitória. Mas foi muito importante porque isso abre uma perspectiva para muitos presidenciáveis de 2026 o apoiarem agora, inclusive com a possibilidade de estarem ali no ministério.
E sobre os ministros de Lula?
O grande nome ali é a Simone Tebet, com tudo isso que estamos vendo de ela poder ser a ministra da Agricultura. Acho também que muitas das pessoas que trabalharam com Lula no passado. Tem me chamado atenção, por exemplo, as declarações do Henrique Meirelles, que está em campanha para ser ministro da Economia, falando em quebrar o teto para pagar auxílio. Ele está se posicionando louco por uma oportunidade. Essa fala do Lula é agregadora porque ele não vai estar aqui em 2026 e vai abrir caminho para uma nova geração de líderes.
Qual a sua avaliação para cada um deles?
Lula: ele teria um terceiro governo mais difícil do que foram os outros. Por duas razões, a primeira é que o cenário internacional de hoje é mais difícil do que nos anos 2000. Quando Lula foi eleito, ele se beneficiou de um cenário internacional em que a China crescia 10% ao ano e comprava a preços muito altos todas as commodities que o Brasil exportava (minério, ferro, soja, carnes, petróleo), assim como a Índia. E Lula montou uma equipe que soube aproveitar isso, fazer políticas sociais eficientes, combater a pobreza, mas o cenário de hoje é muito diferente, estamos vivendo os impactos da pandemia e da guerra na Ucrânia, então tem uma inflação global de alimentos e, para combatê-la, muitos países estão adotando políticas recessivas, ou seja, o risco de uma recessão nos EUA, na União Europeia e China são altos em 2023. Olhando para dentro, o país ficou muito mais conservador. Se o Lula ganhar, ele vai governar com uma direita muito mais forte, melhor organizada, com força eleitoral, com capacidade de pôr gente na rua, de influenciar o debate via redes sociais. E uma direita muito forte no Congresso, em particular no Senado. Aquela oposição que Lula enfrentou do PSDB era de cavalheiros que tomavam chá das cinco e escreviam um artigo num grande jornal para debater política pública, agora vai ter a Damares fazendo live e falando barbaridades, o Nikolas Ferreira (deputado federal do PL mais votado do Brasil e da história de Minas Gerais) mobilizando seus seguidores, é uma outra oposição, outro cenário, e isso vai ser mais complicado pra ele.
Bolsonaro: ele conseguiu construir um movimento político de raízes sociais muito fortes e acho que vai ficar com a gente por muito tempo. Mesmo Lula saindo, fica ele e os filhos, assim como Trump, todos envolvidos com política, possíveis herdeiros do seu movimento. Quando ele foi eleito em 2018, a minha dúvida era se seria algo passageiro, como foi com Fernando Collor (presidente de 1990 até sua renúncia em 1992) e Jânio Quadros (que governou entre 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961, data em que renunciou) ou se iria construir um movimento político mais forte, duradouro. Depois dos resultados do 1º turno, eu diria que ele conseguiu construir o movimento e que ele vai ficar com a gente por muito tempo. Fora da Presidência, o Bolsonaro vai ser uma pedra no sapato do Lula, alguém que pode articular a oposição. Sabemos que ele tem uma série de acusações, talvez um dos filhos possa ser preso ou ter que deixar o País, mas a energia desse movimento está além do Bolsonaro e, se por acaso ele sofrer um infarto fulminante depois de deixar o governo e não estiver mais aqui, haverá muitos outros com essa capacidade de articular esse movimento, talvez alguns até mais eficazes que ele, mais autocontrolados, com mais possibilidades de tentar tocar isso.
Vamos viver pra sempre uma polarização?
Ela vai ficar conosco por um tempo. Mas por que a divisão está mais profunda hoje do que foi no passado? Não é só uma divisão individual entre os eleitores, temos regiões inteiras do país divididas do ponto de vista político-ideológico. Se a gente analisar os resultados do 1º turno, o Lula só ganhou no Nordeste e em uma faixa de renda, com pessoas que ganham até dois salários-mínimos. A classe média e a elite votaram no Bolsonaro, sobretudo nos estados do Centro-sul, os mais ricos e desenvolvidos, Centro-oeste, a mais dinâmica do agronegócio, então significa uma oposição ao Lula muito maior do que qualquer coisa que ele teve lá atrás, e agora é como ele vai lidar com esse novo cenário. Existe também uma intensidade maior dessa oposição como a gente viu na nossa vida cotidiana nos últimos anos, com amigos, família etc. Num passado muito recente, pessoas que tinham posições diferentes se respeitavam. A gente sempre gostava muito de conversar sobre política, trocar ideias, e não era uma coisa tensa. Hoje em dia, isso não seria possível, com esse nível de animosidade, de ódio, me preocupa bastante em como vamos viver como sociedade. O Brasil não é um caso isolado — isso está acontecendo no mundo inteiro, como nos EUA. Vai ser um grande desafio desarmar essa bomba da polarização, porque não existe uma maneira fácil e rápida de fazer isso, e os políticos vão ter que aprender a lidar.
Você costuma dizer “desconfie das promessas dos políticos, mas acredite em suas ameaças”. Quais as principais ameaças nos próximos meses ou anos?
Estou pensando muito nessa frase nos últimos dias, principalmente por causa das ameaças do Bolsonaro de não aceitar os resultados, caso ele perca. Tem muita coisa que pode dar errado e meu pior pesadelo seria uma cena como a do Roberto Jefferson repetida muitas e muitas vezes Brasil adentro. Muita gente se recusando a aceitar o resultado, pegando nessa quantidade enorme de armas, fuzis, granadas e atacando o STF, o TSE, ou se trancando em casa e recebendo a polícia a bala. Isso tudo é uma possibilidade muito grande e a eleição não vai acabar domingo à noite, só dois meses depois, quando o candidato eleito tomar posse. A lacuna dos próximos meses vai ser muito importante.
Acredita mesmo num golpe como ao do Capitólio?
Nessa semana, Bolsonaro estava planejando algo grande, mas alguém esvaziou o balão dele. Talvez ele quisesse adiar as eleições e cancelar a votação no domingo, mas não teve o apoio e desistiu; então ele fez uma fala confusa e vazia. Mas ele não vai parar neste domingo. Ele não tem capacidade ou condições políticas hoje de dar um golpe, porque ele não tem nenhum apoio na elite e na sociedade a esse ponto, mas tem o apoio de uma parcela considerável de seus seguidores que tem a capacidade de tumultuar. Esses caras se apaixonaram por Bolsonaro – e acreditam que a pesquisa é fraudada, que a urna não funciona, que a mídia está contra e esse mesmo cara não vai aceitar de bom grado uma derrota. Até muitos dos jornalistas com os quais eu conversei acompanharam a apuração do 1º turno com grupos de apoiadores do Bolsonaro, e o que me disseram foi que esses apoiadores ficaram muito surpresos porque eles realmente acreditavam que o Bolsonaro ganharia no 1º turno, porque eles não acreditam em pesquisas. O 1º turno foi estranho porque todo mundo saiu triste, tanto os eleitores de um quanto do outro, que acreditavam que a vitória era certa.
E o 2º turno vai ser com emoção?
Até chegarem os votos do Nordeste, Bolsonaro vai estar na frente. Imagina o nível de tensão que isso vai ser em muitos lugares. As pessoas acompanhando isso em restaurantes, bares, e até faço uma confidência: a BBC de Londres tinha me convidado para fazer ao vivo de dentro de um bar bolsonarista, recusei e perguntei ‘vocês estão acompanhando o que está acontecendo aqui?’. O risco de violência vai ser muito grande.
Alguma dica?
O risco vai ser maior nos estados onde há uma força muito grande tanto do Lula quanto do Bolsonaro, como Rio e Minas Gerais. É muito mais difícil isso acontecer num estado do Nordeste onde o Lula tem 70% de apoio, mas aqui no Rio é bem complicado, então sei lá, posso imaginar alguém que esteja comemorando a vitória do Lula num bar e chega um eleitor do Bolsonaro com uma arma na mão e começa a disparar. A gente teve isso em vários lugares no 1º turno. É perfeitamente legítimo as pessoas quererem comemorar e estar com os amigos, mas é bom tomar cuidado, ter precauções, evitar ir para uma área onde o adversário é muito forte — eleitor do Lula, eu não comemoraria na Barra, eleitor do Bolsonaro, eu não comemoraria na Praça São Salvador (Laranjeiras), tentar respeitar os espaços tradicionais de cada grupo político porque é mais seguro.
O que muda no Rio com o resultado tanto de um como de outro?
Acho que no Rio muda menos do que em outros estados, porque o Rio é um estado que tem uma dependência financeira do Governo Federal muito grande. Então, nenhum governador do Rio tem capacidade de fazer um governo autônomo ou de oposição ao Gov. Federal. Cláudio Castro é uma pessoa alinhada a Bolsonaro, mas em geral ele não é bem considerado entre os bolsonaristas e é visto muito mais como alguém oportunista do que como um bolsonarista raiz. Se o Lula ganhar, o Castro vai tentar fazer um acordo e tentar se entender muito bem com ele. Inclusive porque tem setores dentro do PT do Rio que já têm uma relação próxima com Castro, sobretudo o grupo do deputado André Ceciliano, presidente da Alerj, ou seja, não é pouca coisa. E Lula fez atos fortes na cidade, como no Complexo do Alemão, e tem uma relação forte com o Rio. A grande eleição para acompanhar no domingo, além da nacional, é em São Paulo. Porque agora está uma disputa muito acirrada, um empate técnico, e quem quer que vença, seja Tarcísio de Freitas ou Fernando Haddad, porque vai quebrar uma hegemonia do PSB no estado que vem desde os anos 1990. Seria, por exemplo, o primeiro governo do PT em São Paulo, porque o interior do estado é muito conservador, rejeita muito o PT, e se o Tarcísio ganhar em SP, Bolsonaro terá aliados nos três maiores estados do País.
Considerações finais!
Lula deve ganhar com uma diferença de 4 a 5%. Quer dizer, é uma vitória importante, mas não é ampla. A gente talvez não tenha muitos anos felizes no Brasil, mas pode ter anos muito interessantes, importantes e significativos, então, esse é meu espírito para domingo. Estamos em um momento difícil, mas importante e, num certo sentido, é muito gratificante fazer parte dele, poder acompanhar isso como cidadão e como cientista político.
Por Dani Barbi