Se tem uma secretária que deve acordar e dormir com a orelha ardendo é Maína Celidonio, à frente da complexa pasta de Transportes — que poderia até mudar de nome para “caos” ou “estresse”, a medir pelas constantes reclamações. Há quem diga que uma pessoa que sobreviva ao transporte público no Rio está pronta para qualquer coisa na vida.
No entanto, segundo a pasta, isso pode mudar para que o carioca possa ter um pouco de paz, já que todas as fichas foram apostadas no fim de maio, depois de um acordo judicial entre a Prefeitura, as empresas de ônibus e o Ministério Público para melhorar a qualidade desses serviços (entenda detalhes aqui). Em coletiva, Eduardo Paes e Maína deram detalhes sobre o acordo, e o prefeito prometeu: “Estamos acabando com a caixa-preta dos transportes e agora estamos respaldados por um instrumento jurídico. A melhora dos ônibus não vai acontecer do dia para a noite, mas vamos voltar ao estágio de normalidade e para um sistema melhor do que tínhamos anos atrás”. Que sonho seria!
Em dois anos de ação da pasta, com uma pandemia no meio, a situação só se agravou — empresas fecharam, linhas desapareceram, estações de BRTs fechadas por vandalismos etc. Contudo, credenciais Maína tem de sobra: carioca, 37 anos, especialista em Mobilidade Urbana e doutora em Economia pela PUC-Rio, onde se formou. Sua tese de doutorado – na qual avalia o impacto causado na cidade pelas obras de mobilidade urbana para a Olimpíada de 2016 – foi a vencedora do Prêmio Capes 2020 em Economia. Ela é professora licenciada do Insper e ex-diretora de Desenvolvimento Econômico do Instituto Pereira Passos (IPP).
Agora, lidera o processo de recuperação, reconstrução e melhoria nos transportes, Entre as ações, estão a compra de 291 novos ônibus para o BRT e a regularização gradual das linhas de ônibus em circulação, iniciada em maio, sem aumento de passagem — mais de 20 linhas de volta aos itinerários depois do acordo e mais mil devem estar nas ruas em seis meses. Há ainda a licitação da concessão da bilhetagem digital, que vai acontecer em 12 de julho, permitindo o controle do sistema pelo município. Entre outras realizações, a implantação de QR Code em pontos de ônibus, com informações sobre as linhas que passam nos pontos e a transformação de algumas estações do BRT em terminais, aumentando a capacidade de atendimento. É esperar pra ver!
A sua pasta é uma das mais cobradas e esculachadas do município, como vemos diariamente. Como lidar com isso? Existe algum momento de “respiro”?
É um dia a dia duro. A gente recebe muitas críticas da imprensa, de vereadores, da população e pelas redes sociais. É muito difícil lidar com tudo isso, mas o pior mesmo é a população ter que lidar todos os dias com um serviço ainda sem qualidade. Muitas pessoas sofrem diariamente, e estou dando a minha contribuição para enfrentar esse problema. Existem momentos de respiro, sim, porque tenho uma equipe maravilhosa, idealista e comprometida com a causa. Nos dias em que estamos mais cansados, sempre tem alguém pra dar uma força.
Como você encontrou a cidade quando começou a gestão? Quais as principais ações feitas até hoje e o seu maior orgulho?
Encontramos a cidade muito desorganizada – o governo Crivella desordenou muito o sistema de transporte. Um terço das estações do BRT estavam fechadas e a frota, sucateada, com poucos ônibus em condições de rodar, que apresentavam cada vez mais problemas. Entre as principais ações que fizemos, a primeira foi a intervenção no BRT, em março de 2021. Em seguida, reformamos e reabrimos 46 estações que não estavam funcionando e já remodelamos outras 16. Também recuperamos parte da frota do BRT e criamos o serviço eventual dos “diretões”, com ônibus convencionais que circulam no corredor Transoeste para desafogar os articulados nos horários de pico. A gente sabe que o serviço não está adequado, mas já trouxemos acessibilidade para muitas pessoas com a reabertura das estações. Um dos melhores exemplos foi a reabertura das estações da Avenida Cesário de Melo, no corredor Transoeste, o que é motivo de grande satisfação.
Hoje qual é o principal problema?
São muitos; na verdade, é um problema institucional. O setor é historicamente pouco regulado. Temos a sorte de ter um contrato, graças ao prefeito Eduardo Paes, mas esses contratos precisam ser aperfeiçoados. A principal questão é o modelo de remuneração, só baseado na tarifa paga pelo passageiro, o que causa inúmeros problemas. E agora esse acordo judicial tenta exatamente começar a mudar essa realidade.
Qual é o seu meio de transporte diário? Concorda que é um sofrimento depender do transporte público?
Tenho um motorista, não dependo do transporte público no dia a dia, mas sempre usei transporte público antes de ser secretária. Entendo que sim, é um grande sofrimento depender do transporte público porque não é um serviço com previsibilidade, já que não se sabe que horas o ônibus vai passar ou se determinada linha estará funcionando. Mas estamos trabalhando para garantir um serviço de melhor qualidade para a população.
Por que o BRT se transformou num exemplo de ineficiência?
Porque foi muito mal gerido. O fechamento de 1/3 das estações e a falta de manutenção da frota são falhas na boa prestação do serviço muito claras. Fica muito nítido porque esse serviço acabou sendo ineficiente quando se têm estações em péssimo estado e uma frota também em mau estado.
Sobre a farra das vans irregulares, o que fazer? Elas afetam o equilíbrio econômico-financeiro do sistema de mobilidade urbana?
Em relação às vans irregulares, o que temos de fazer é fiscalizar e reorganizar o sistema. Houve uma licitação que não foi completa na AP5 e que precisa ser finalizada. Vamos rever as linhas e as redes para que as vans sejam um serviço complementar. Por isso, precisa estar em locais onde a demanda é compatível com o serviço que ele pode oferecer.
Transporte depois das 22h é quase impossível e praticamente não há fiscalização. O que fazer?
Esperamos que o serviço noturno retorne agora, com o acordo judicial. Isso será exigido. É possível, sim, mas a gente sabe que o serviço noturno não trará uma receita compatível com a rentabilidade, e é por isso que existe o subsídio.
Em quanto tempo acredita que alguma mudança possa ser sentida depois do acordo no último mês?
A mudança já está sendo sentida; já tivemos o retorno de algumas linhas. Sabemos que está longe de ser o ideal, mas, para a população que depende dos serviços que já foram retomados, é uma mudança muito significativa. A gente está trabalhando para que, até novembro, dezembro, a rede esteja restabelecida.
Como o carioca vai acreditar que o transporte vai funcionar depois de tanto sofrimento?
O carioca vai acreditar porque ele vai perceber que as mudanças já estão acontecendo. Até março, teremos também uma frota do BRT renovada, e a população vai sentir que esse serviço vai melhorar e muito.
O que viu em outros lugares do BR e do exterior que poderia ser implementado aqui?
A maioria das capitais brasileiras já subsidia a sua operação de transporte. Então, a gente sabe que isso é uma realidade. Muitas já pagam por quilômetro rodado, como em São Paulo e Curitiba. Então, temos exemplos aqui de cidades que já avançaram nesse sentido. Também temos exemplos na América Latina, como Bogotá, na Colômbia, e Santiago, no Chile.
E quais os próximos passos? Existe algum projeto que gostaria de deixar de “herança” pra cidade?
Os próximos passos são a renovação da frota do BRT, a repavimentação da Transoeste, as obras que vão transformar estações do BRT Transoeste em terminais, como Curral Falso, Pingo d’Água, Magarça, Santa Cruz e Mato Alto. De herança para a cidade, eu gostaria que o transporte público fosse um serviço em que o carioca pudesse confiar, em qualidade e regularidade.
Por Dani Barbi