Há várias formas de classificar os seres humanos. Exemplos clássicos (e já obsoletos) são fazê-lo, maniqueisticamente, em função do sexo (homens e mulheres), da orientação sexual (heterossexuais e homossexuais), do viés ideológico (direita e esquerda), do bicho de estimação preferido (cães ou gatos).
Hoje sabemos que há mais gêneros e orientações sexuais do que poderia supor a vã sexologia de Masters & Johnson, Wilhelm Reich, Shere Hite, Marta Suplicy ou Anitta. Que, além da direita e da esquerda, há a centro-direita, a centro-esquerda, o meio de campo (não confundir com Centrão), o atacante (extremista de qualquer dos lados), o líbero (cada vez mais em falta) e o que só quer xingar a mãe do juiz (do STF).
Continua sendo clara a distinção entre quem gosta de cachorro e quem gosta de gato. Mas há os alternativos, que preferem animais exóticos, como tartaruga, calopsita, jiboia, iguana ou mesmo poodle.
A dicotomia “oprimidos x opressores” cai por terra diante das interseccionalidades: o homem é opressor – mas não se for preto ou trans. A mulher é oprimida — a menos que seja branca, cis e refém dos padrões de beleza impostos pela sociedade (ou seja, com índice de massa corporal abaixo de 30.
Entre homo e hétero, há um gradiente que vai do bi ao pan, passando pelo curioso, o distraído, o adolescente que não quer ficar mal com a turma, o casado sozinho em Copacabana num sábado à noite e o pessoal do mundo artístico.
Eu dividiria a humanidade entre os normais e os que conseguem dormir de barriga pra cima.
Os que tomam café com açúcar e os psicopatas.
Os que gostam de pássaros e os que os prendem em gaiolas.
Os que entendem Lacan e os que dizem a verdade.
Os que nasceram para arrastar móveis e os que nasceram para morar no andar de baixo.
Não há registro histórico de alguém que arraste móveis e more no térreo.
Em obediência a uma lei mais inflexível que a da gravidade, arrastar móveis é prerrogativa de quem mora no andar de cima. Deve ser algo atávico, como é para o castor roer troncos de madeira, para o pé de jaca produzir jacas, para o Centrão apoiar o governo, para o governo esquecer os mundos e fundos que prometeu quando estava na oposição.
Aliás, o mundo se divide entre os que não se lembram e os que não conseguem esquecer.
Entre os que só valorizam o que ainda não têm e os que só dão valor depois que perdem.
Entre os que sabem os quatro porquês e os de inteligência superior, que já adotaram o pq.
Entre os que assistem a uma série e os que prestam atenção ao fato de a canção da Kate Bush usada em “Stranger things” (numa cena que se passa em 1996) só ter sido lançada em 1997.
(Eu já reparei que uma garrafa de cerveja aparecia com rótulo numa tomada e sem rótulo na tomada seguinte, numa pornochanchada dos anos 70. E sei de gente que jura que viu uma porteira com propaganda das Casas Pernambucanas numa cena de “Iracema, a virgem dos lábios de mel”, filme ambientado em 1608.)
O mundo se divide entre os incômodos (normalmente habitantes do andar de cima) e os incomodados.
E, claro, entre os que ainda acham possível classificar, categorizar os seres humanos, e os que têm mais o que fazer na vida.