Milton Gonçalves já era ator da TV Globo mesmo antes de sua inauguração, em 1965. Fez mais de 40 novelas, atuou em programas humorísticos e minisséries.
Sua atuação como Pai José, na segunda versão da novela “Sinhá Moça”, valeu a indicação para o prêmio de Melhor Ator no Emmy Internacional. Na cerimônia, apresentou um outro prêmio ao lado da atriz americana Susan Sarandon. Eu estava lá, e provocava que rolou um clima entre os dois.
Disse que o vi passando a mão nela durante a premiação.
Ele me fuzilava com aquele olhar maroto tão intenso, que eu mesmo passei a acreditar na minha versão.
Foi o primeiro brasileiro entre os apresentadores desse grande evento da televisão mundial e o primeiro negro em função de diretor da TV brasileira.
Foram umas 30 peças de teatro e mais de 50 filmes e o inesquecível Jiguê, do maravilhoso “Macunaíma”.
Também foi cantor, dublador e produtor: o tal artista completo.
Natural de Monte Santo de Minas, Minas Gerais, começou a carreira na cidade de São Paulo, onde trabalhava como gráfico. Um dia, depois de assistir à peça “A Mão do Macaco”, saiu maravilhado com o ofício de representar. Entrou logo num grupo de teatro amador, passando rapidamente para o profissionalismo. Um então novo diretor carioca procurava um ator para fazer um preto velho na peça “Ratos e Homens”. O diretor era Augusto Boal – futuro fundador do Teatro do Oprimido – e o grupo, o Teatro de Arena de São Paulo. Lá encontrou Gianfrancesco Guarnieri, Flávio Migliaccio, Oduvaldo Viana e tantos outros que virariam estrelas (de esquerda ) nos nosso palcos, monitores e telas.
Só não foi bem na carreira política. Chegou a ser candidato a governador do Rio pelo PMDB. O resultado nas urnas nem merece ser comentado, de tão incompatível com sua popularidade. No movimento sindical, arrumou briga com colegas, ao ponto de entrar na Justiça, alegando preconceito racial, mas tomou a iniciativa de não levar adiante o processo.
Milton dedicou sua vida e carreira ao movimento negro.
Morreu aos 88 anos, sem conseguir viver o bastante para ver um de seus maiores sonhos realizado: o Brasil sendo comandado por um presidente negro.
Com seu inconfundível vozeirão, sua companhia era sinônimo de talento, alegria e afeto.
Um querido.
Luis Erlanger é jornalista e escritor, e conviveu com Milton Gonçalves durante quase duas décadas na TV Globo, de onde foi diretor.