Muitas mulheres, até hoje, ainda possuem uma trajetória-padrão. Casam-se, têm uma profissão quase passatempo ou renda para comprar seus alfinetes, cuidam dos filhos que se casam e passam a ter sua própria vida. E, em muitos casos, a conta chega. Chega a separação, divórcio ou viuvez. Olha-se para trás, e a conclusão a que se chega: que vida mais sem graça, sem emoção, sem a paixão que o conjunto de mídias fica exibido por todo lado. É desse conflito, posso e quero me apaixonar, mas cadê o par, é a linha que conduz a ótima comédia “Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive”, baseada no best-seller da argentina Daniele Segni.
A peça é montada em forma de esquetes que entremeiam o fio condutor: um encontro de três mulheres “resolvidas”, profissionais de sucesso, alto poder aquisitivo, mas divorciadas e sem nenhuma relação emocional no momento. São três grandes comediantes em cena: Grace Gianoukas, Leona Cavalli, Totia Meireles e Maurício Machado, que desempenha os diversos papéis masculinos, com destaque ao homossexual da primeira cena. A direção de Maurício Figueiredo permite que o clima seja de absoluta comédia, daquelas que a plateia se dobra de tantas gargalhadas.
Enquanto expõe o ridículo, a trapalhada, as confusões das situações de encontros e desencontros, a peça permite que se faça também a reflexão sobre o que se vê e como o papel da mulher ainda é tradicional: uma mordaça comportamental e difícil. Como o texto é de 2005, não se vê nada sobre aplicativos, mas o resultado é o mesmo. O “ghosting”, a traição dos maridos, os homens que se aproveitam da renda dos pares estão todos lá. O texto é implacável, não deixa nada de fora na crítica mordaz.
A mobilidade do cenário, que permite trocas de ambiente com rapidez e eficiência, junta-se aos figurinos estereotipados, exagerados, próximos do que Almodovar faz em seus filmes. Mas o destaque absoluto é a atuação das três artistas que se desdobram em nove personagens. Leona Cavalli muda de sotaques, que vão da carioca que fala “mermo” à diarista nordestina, todos absolutamente impecáveis assim como a expressão corporal e a interpretação, que se adequam perfeitamente à personagem. Leona, vale o destaque, é a melhor Blanche Dubois, a emblemática personagem de “Um Bonde Chamado Desejo”, que já vimos.
A autora, especializada em gastronomia, depois de seu divórcio, passa a construir uma obra com centro nos temas que inquietam as mulheres de mais de 50. Solidão, climatério, paixão, que estão de tal forma presentes em “Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive” que chega-se a pensar: o que dá para rir dá para chorar. Felizmente, essa peça nos faz rir, sair com a alma leve, ter certeza de que “não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe”. Mas a gargalhada daquela que escorre lágrimas ainda é o melhor remédio.
Serviço:
Teatro das Artes (Shopping da Gávea)
Sextas e sábados, às 21h
Domingos, às 20h