Ser ateu tem suas vantagens. Você não vai pro inferno quando morre (porque o inferno não existe) nem vive naquele inferno de culpa e pecado (porque pecado também não existe, e na culpa dá-se um jeito).
Não perde as manhãs de domingo indo à missa, à escola dominical ou batendo de porta em porta e dando com a cara na porta. Não entrega 10% do que ganha para enriquecer o pastor e pode comer carne de porco à vontade (inclusive na Sexta-Feira Santa, ou mesmo no Ramadã). A menos, claro, que, além de ateu, seja também vegetariano. Mas você entendeu o meu ponto.
Ser ateu tem suas desvantagens. Você não consegue se confessar de graça (tem que pagar um psicanalista) nem subornar sua consciência com orações e penitências (ou pede desculpas e investe em ações concretas ou está ferrado).
Mas ser ateu tem seu lado bom. Você vive sem crendices, superstições, falsas esperanças de milagres. Crê no real, e o real nunca desaponta. Não é preciso fazer malabarismos mentais para justificar o fato de Deus não ter te dado aquilo que você acha que merece, ou para entender o que há de ruim no mundo. O mundo é como é, e como o fazemos – depende de nós, não de um deus, que ele seja mais justo. Quanto aos acidentes, às tragédias… bem, são acidentes, são tragédias. Talvez possam ser evitados, talvez não possam, e temos que ser safos o bastante para mudar o que está ao nosso alcance, e suaves com o que independe da nossa vontade, como dizem nos AA da vida.
Mas ser ateu tem seu lado ruim. Não há feriados ateus (há feriados cívicos, mas isso é outra coisa). Acabamos pegando carona nos feriados das religiões e tendo que disfarçar aquela sensação de estar de penetra na festa.
Quando é Natal, no meu andar todas as portas têm luzinhas piscando, gorros de papai Noel, “ho ho ho”s e saudações em Inglês – menos a minha. Os vizinhos devem olhar com pena e desdém para a minha porta ateia, nua, alheia às gargalhadas e ao cheiro de peru assado que vazam pelas frestas das suas portas emperiquitadas.
Mas ser ateu é bom, porque não tem que mandar cartão, comprar presente. E é ruim, porque você não se recebe cartão nem ganha presente.
Quer dizer, até ganha, mas aí fica no maior sem-jeito, porque, como não comprou nada, agora tem que se justificar, e tentar retribuir, em cima da hora, quando os shoppings estão abarrotados e tudo que não se quer é ouvir dingobéus, harpas paraguaias ou a Simone berrando que então é Natal.
Já na Páscoa, tanto faz. O chocolate pode ser caro, mas é laico. O ovo é um símbolo pré-cristão (como é pré-cristã a árvore de Natal, diga-se de passagem), e — a não ser pelos quilos extras — dá para participar da comilança sem o remordimento natalino de ser cúmplice do assassinato de um peru ou, se você for vegano, do saque ao ninho de alguma coelha gigante que bote ovos de chocolate.
Então, sejamos crentes ou incréus, lúdicos ou lúcidos, Godivalovers ou Cacaushowers, aproveitemos a Páscoa as benesses do criptofano, o aminoácido que atua como precursor da síntese de serotonina — substância do cérebro ligada à sensação de prazer. Depois é só queimar as calorias adicionais — seja pela fé ou pela aeróbica — e esperar pela canjica, o quentão e os pés de moleque de São João.