Comecei 2020 com uma bomba na mão: a covid-19 fechou Paris para o mundo no começo do ano e, bem…. tivemos um primeiro confinamento longo e duro, em que vagamos no escuro, meio perdidos frente ao que, na época, era um inimigo sobre o qual pouco se sabia. Não tínhamos máscaras, álcool gel, papel higiênico e macarrão (?)! Íamos para a rua com papéis impressos de permissão para comprar mantimentos, e só. O medo era violento e, para mim, especificamente, ele foi devastador:
De um dia para o outro, fiquei sem trabalho e nenhuma perspectiva. Portas fechadas, contatos cancelados, nenhuma resposta de veículos – eu trabalhava como jornalista e correspondente na época. “Acho que eles vão me chamar para fazer lives, contar o que está acontecendo aqui”, pensava. Grande decepção. Nada aconteceu. Foi aí que eu entendi que não iria rolar nenhuma possibilidade de eu continuar a ser correspondente.
Teria que repensar minha vida. Para completar o quadro: auge do começo da menopausa e energia zero para pensar em algo. De repente, comecei a postar minhas incertezas nas redes sociais, sem filtro algum, dias de raiva, dias de saudade da família, dias de imaginação e muita observação sobre o que via da minha janela. Pouco a pouco, fui tecendo um fio de histórias que vivi, imaginei, presenciei, ouvi falar, criei.
Minhas seguidoras e seguidores também confinados – curiosos sobre o que estava acontecendo em Paris, La Ville Lumière, o lugar onde tudo era para ser festa, ficou suspensa, em pausa – interagiram desde os primeiros posts intitulados “Pandêmicas”. Eram escritas rápidas, no celular, sentada no sofá com meu gato grudado em mim ou no acordar no meio da noite em surtos de inspiração, molhada de suor pelos calorões da idade — hahahaha.
Eu entrei num processo criativo, orgânico, que me levou a escrever um livro, sem saber que o estava fazendo, presa dentro de um apartamento de 43 m2 no bairro 13 de Paris. A cada texto publicado, retorno de pessoas de muitas partes do mundo, mas principalmente do Brasil: Amazônia, São Paulo, Caruaru, Esteio, Bagé (cidade gaúcha na fronteira onde nasci e fui criada e saí aos 17 anos para nunca mais voltar) e por aí vai. “Amada, você está escrevendo um livro a fórceps”, comentou uma amiga-leitora e parceira do projeto que deu vida ao “Crônicas Pandêmicas O Mar é Logo Ali”, uma publicação ilustrada com o cuidado de tudo ser bruto, rude e real, embora a escrita, muitas vezes, vá muito além do que podemos prever e mescle muito mais ficção do que aparenta ser. Escrever passou a ser meu calmante, meu querer, e me ajudou a sair muito forte do primeiro confinamento. Através da escrita, me despedi de amizades, compreendi melhor o mundo caótico e doloroso que está à minha volta e encontrei um novo jeito de me comunicar.
O livro ficou pronto em 29 de dezembro de 2020, levou sete meses para ser editado e finalizado e foi totalmente feito por mim e duas grandes amigas, a Márcia Luz, Simone Salomão e a revisão da Alice Salomão, filha de Simone e também escritora. Em 10 dias de lançamento e pré-vendas, já estava pago e continua avançando mundo afora.
O momento ainda é dramático e duro para quem se sensibiliza com os milhares de mortes pela covid-19. Aqui, em Paris, hoje temos papel higiênico, comida e solução em álcool até em torneiras colocadas nas paradas de ônibus,. Fomos convocados a dobrar a atenção com a qualidade das máscaras e estamos com um rígido toque de recolher das 18 às 6 da manhã. Apesar de tudo isso, quero dizer que é possível e necessário acreditar em si mesmo, ir em frente, ajudar os outros e buscar sermos honestos com nossas vidas. Para mim, foi a saída forte de uma das maiores crises que a sociedade contemporânea atravessa e trago uma frase de um recente texto meu “só não faz quem não arrisca o fracasso”. Voilà. Façamos, mesmo dentro de casa. É possível.
Ana Clara Garmendia, tem 53 anos, mora em Paris desde 2006, acaba de lançar “Crônicas Pandêmicas O Mar é Logo Ali”. Diante de incertezas, criou a Garmendia Editora, para acelerar seu projeto, fazendo tudo independente. Pode ser comprado no site (Garmendiaeditora.com).