Havia uma energia diferente na brisa, mas eu ainda não tinha entendido o que era nem a mudança que viria pela frente. Na inesquecível segunda-feira de março de 2020, fui pra minha loja pegar as plantas e sem saber que dia iria voltar a vê-la. À noite, foi quando a ficha caiu: o mundo fechou.
Moro sozinha em um andar alto. Olhava pela janela e não via nenhum carro na rua, nenhuma pessoa passando. Na minha cabeça, ecoava a música do Raul Seixas “O dia em que a Terra parou”, e eu falava em voz alta, como se estivesse conversando com ele: “Gato, o mundo parou, mas não dá para descer. Você tem alguma ideia?”.
Foi na leveza e com todo respeito que me tranquei na minha torre por mais de quatro meses, agradecendo, a todo momento, os diversos grupos que fiz ao longo desses 21 anos em que estou envolvida com meditação e silêncio. Quando queria chorar, chorava; quando queria gargalhar, gargalhava, e aí vinha o silêncio …
Essa meditação o mestre indiano Osho criou antes de deixar o corpo, em 19/01/1990: é uma semana rindo, uma semana chorando e uma semana em silêncio durante três horas por dia. Não fazia por três horas, mas fazia. Comecei a me conectar com todos os aprendizados que venho me aplicando ao longo desses anos, indo para a Índia todo ano. Sou praticante de constelação familiar desde uma época que poucos conheciam à minha volta e também em Feng shui.
Passei um pente-fino na minha casa e na minha alma. Rasguei mais de cinco sacolas grandes de lixo de fotos desnecessárias. Tudo que eu olhava e não desse calor ao meu coração eu colocava em um saco e descartava. Foram milhares de sacos de roupas para uma creche na Gávea que vende e sustenta as crianças — muito mais útil do que parado no armário.
Acordava todos os dias, tomava um bom banho, me arrumava como se fosse trabalhar; algumas vezes, até, botava umas plumas ou flores no cabelo. Nesse quesito, não falhei, mesmo que ficasse deitada, assistindo a um filme. Cozinhava com paciência e capricho (um ovo mexido virava um prato digno de chefe!). Todos esses cuidados fizeram essa pandemia passar, até aqui, como um grande aprendizado na minha vida.
Sem falar que, no primeiro mês, achei que estivesse com um caroço no peito; não tinha nem máscara para sair e fazer uma tomografia, estava com medo de ir à rua.
Com um profundo respeito por todos aqueles que perderam parentes e pessoas queridas, eu agradecia fervorosamente poder ter uma casa, comida, estar sozinha, mantendo minha sanidade e regando meus aprendizados. Hoje, com todos os cuidados devidos, tenho atendido clientes na minha loja (de joias, no Quartier Ipanema), na parte da manhã também, para fazer constelação familiar.
Sou uma cidadã que tem fé na humanidade. O mundo está tendo a chance de mudar, estamos no mesmo planeta e não tem como parar pra você descer. Tem, sim, quando você começar a mudar dentro do seu ser, e ser mais gentil consigo mesmo; assim, você poderá ser gentil com o outro e, como diz o profeta, “gentileza gera gentileza”.
Iara Figueiredo é joalheira, design, poetisa, estilista, cantora, compositora, pintora (pode faltar algo nessa lista) e dona de loja. Ela tem se dedicado à constelação familiar. Já mudou a letra do nome (Y para I).