Foi só a Rede Globo oficializar o remake de “Pantanal”, sucesso de 1990, da extinta Manchete, para a Internet surtar. Há duas semanas, o assunto está nas redes sociais, em grupos de discussão, principalmente sobre um único tema: quem será a Juma Marruá, a mulher que virava onça e enlouquecia o público brasileiro, há 30 anos, interpretada por Cristiana Oliveira (à época, com 26 anos)?
No entanto, muito além do papel-título, existe outro protagonista: o Pantanal, a maior planície alagada do Planeta, atualmente em chamas, desde o início do ano.
O autor da novela é Benedito Ruy Barbosa, com direção de Jayme Monjardim. Quem vai adaptar o texto atual é Bruno Luperi, neto de Benedito, que tinha apenas 2 anos à época da estreia. Na versão de hoje, ele pretende abordar a urgência ambiental.
Por que “Pantanal” ainda rende tanto assunto?
Alguns pontos: a novela desbancou a audiência da maior emissora do País e foi sucesso absoluto, além de mostrar um Brasil diferente, das belezas naturais, amplas florestas, animais raros e um clima quase místico, além de agora, ocupar um lugar de debate internacional. E outra, porque Juma é um personagem atípico — uma mulher forte, destemida, muito diferente dos estereótipos de mocinha de novela.
Esperava tal repercussão, 30 anos depois?
Há algum tempo, já havia uma especulação sobre esse remake, mas era uma coisa noticiada sem grandes atenções. Eu acho que “Pantanal” merece um remake em homenagem ao Benedito Ruy Barbosa. Embora tenha feito 34 novelas — algumas de grande sucesso —, por “Pantanal” ele lutou muito para que acontecesse. Ficou alguns anos tentando na Globo, mas não rolou, e o Jayme Monjardim acabou realizando-a quando estava na Manchete.
No seu ponto de vista, qual foi o segredo do sucesso?
Foi uma história linda. O texto dele é magnífico e conseguiu retratar a vida no Pantanal e toda a sua riqueza de uma forma lúdica, poética, e eu acho que isso atingiu muito o coração das pessoas. Em 1990, começaram a chamar atenção para a questão da ecologia e preservação da natureza. Óbvio que isso existia antes, mas o veículo de comunicação de massa, que é a televisão, comunica de uma forma não apenas informativa, no caso da novela junto com o folhetim, as histórias, enfim… Ao mesmo tempo, foram bastante exploradas pelo Jayme as imagens e a beleza do Pantanal, as imagens dos pássaros, do rio Negro e de outros locais, pois as imagens não foram feitas apenas na fazenda onde a gente gravou, mas em outras partes do Pantanal, com uma flora mais densa e uma fauna mais povoada.
E a audiência?
Não me preocupei em bater a Globo; isso não existiu. Eu era apaixonada pela Juma do Benedito, e era apaixonada pela Juma que eu estava fazendo. O sucesso e toda a divulgação e barulho que “Pantanal” fez na mídia foram consequência da beleza natural, da interpretação dos atores, que assimilaram a alma do Benedito, da equipe técnica, do figurino, das caracterizações. Eu não usava maquiagem nenhuma. Mas teve uma unidade de sentimento — a vontade de mostrar aquela beleza toda foi uma surpresa para mim e outros atores quando soubemos da audiência histórica da Manchete. Éramos uma emissora incrível, mas a novela explodiu não só pela audiência como também pela divulgação grandiosa.
O que a novela deixou para o Pantanal à época?
Chamou atenção do público para nossa riqueza, tanto que, paralelamente a isso, começou um interesse muito grande para visitações. Depois da novela, algumas fazendas viraram pousadas, com turistas do mundo inteiro interessados nessa grande biodiversidade, nas paisagens que mudam em cada cheia, além do interesse pela pesca turística e ecológica. Tudo isso foi extremamente importante.
Acredita que o Bruno vai adaptar a história ao novo momento?
Com relação a acontecer essa coincidência — de a novela ser feita num momento das maiores secas históricas e também esse desastre todo, que é uma coisa atípica —, óbvio que não tem como não abordar, mesmo que seja em 2021, mesmo que chova bastante por lá e apague esse fogo; 22% do bioma já foi destruído. Então não tem como não abordar essa questão, com adaptações.
Em que a novela mudou a sua vida?
Em tudo. Não só profissionalmente como também na questão da maneira de ver o mundo, ver a nossa grandiosidade e nossa pequenez perto dessas coisas todas, de como o ser humano é capaz de preservar e destruir essas riquezas. O Pantanal me aproximou muito da natureza, porque, até então, o meu contato era pequeno. Eu tinha um sítio na serra fluminense, que era realmente cercado de uma natureza linda, mas, nem de longe, próximo àquela grandiosidade. Aprendi muito com a simplicidade dos peões, das mulheres que trabalhavam na fazenda, de como é o dia a dia do Pantanal, enfim, a lidar com animais que, aparentemente, são perigosos, como sucuris e outros bichos. Aprendi a driblar isso. Então foi muito importante nesses dois sentido — como um divisor de águas na minha carreira, até porque estava no início e só tinha feito a novela “Kananga do Japão” (1989), também na Manchete, e impulsionou os trabalhos pós-Pantanal. Além da memória afetiva, tanto para quem assistiu em 1990, quanto para quem assistiu em 2008, quando reprisou, o que pegou uma outra geração, 18 anos depois.
E como era a Cristiana na época de Juma?
Eu era uma menina de 26 anos. Hoje tenho quase 57 anos; sou mãe de duas mulheres, avó de um neto de 7 anos (Miguel). Apesar de já ser casada há três anos quando fiz a novela e mãe da Rafaela, com 2 anos na época, eu era muito imatura, e essa inocência natural, apesar de já ser mulher, talvez tenha dado certo com a Juma porque fui muito intuitiva e verdadeira com ela. Juntou a Juma com a Cristiana, e o resultado foi uma Juma intuitiva, curiosa. Nunca pensei no sucesso de “Pantanal”, isso não era uma coisa racional. Fiquei nove dias gravando direto no Pantanal, onde não tínhamos parabólica, gerador; então, quando escurecia, às 19h30, eu dormia, lia um livro à luz de velas e, às 5h, a gente gravava.
Como é a Cristiana 30 anos depois?
Tenho outra visão do mundo. Vejo a vida por um outro prisma — mais tranquila, valorizando a vida do jeito que ela é, preocupada em enfrentar e vencer meus desafios, já sem uma cobrança exacerbada. Hoje sou uma mulher que, quando me olho no espelho, vejo além do meu reflexo. Vejo além do meu físico, vejo alma, espiritualidade, uma mulher que tenta se desenvolver, que é muito simples e aproveita a vida em todos os momentos. Isso, porque tenho consciência da finitude e sei que vou viver por mais 20 anos e tenho que aproveitar já que a vida é curta, rápida e passageira. Se não aproveitasse, seria um desperdício.
As pessoas mudaram muito? Foi um crescimento ou um atraso?
Tudo isso é muito complexo. Por um lado, existem os crescimentos na ciência, medicina, tecnologia, que indiscutivelmente fizeram muito bem para a humanidade. Encontraram curas, tratamentos para doenças muito sérias, e hoje existe um tempo maior na longevidade, mais qualidade de vida. Tem uma série de coisas que evoluíram o ser humano — a própria Internet, globalização, acesso à informação, mas, por outro lado, criou-se uma dependência das redes sociais, em que, na verdade, existem as manipulações, as fake news, e as pessoas acabam tomando atitudes radicais. Pegaram uma geração nova num momento de vulnerabilidade emocional e psicológica, como os pré-adolescentes, a geração muito frágil, e isso fez aumentar as síndromes e as doenças psicossomáticas. Essa realidade paralela das redes sociais gera frustração, depressão, ansiedade. Por um lado, foi maravilhoso; por outro, é delicado, com pessoas visando ao poder, à ganância, que mudaram os valores na cabeça de tanta gente. Mas isso é um outro papo… Melhorou por um lado, piorou por outro e, agora, é tentar a busca pelo equilíbrio.